Tema 007 - SOSLAIO
BIOGRAFIA
AMOR NA TELA
Celso Rab Lage

Não eram namorados, diria, quase que com certeza, amigos. Não sei precisar com exatidão quando se conheceram, mas inevitavelmente, todo dia precisavam conversar, ou melhor, teclar, pois o fato ocorreu através de trocas de e-mails.

Tudo começou quando ele, que não dispensava um bom bate-papo e que adorava conhecer pessoas, um belo dia resolveu se cadastrar no site de almas gêmeas (você deve estar aí pensando: ele queria uma namorada, mas juro, não era isso que ele buscava), preencheu nome, gostos pessoais, idade, profissão e escreveu lá, no espaço reservado as mensagens, algo do tipo " Procuro novos amigos e amigas". Tá certo que deveria ter algo mais escrito, mas o essencial da mensagem era esse: conhecer pessoas novas, novas amizades.

Não se passaram dois dias e a caixa postal do nosso jovem rapaz estava lotada.

É evidente que o pretenso galã preencheu a ficha omitindo, ou melhor, exagerando em alguns itens, tais como: que tinha um metro e noventa de altura, cabelos loiros, olhos azuis, praticava esportes radicais, e que falava, fluentemente, cinco línguas estrangeiras.

Eu, que conheço muito bem tal pessoa, posso garantir que é tudo mentira.

Bom, mas voltando a história, o jovem em questão, apesar de ter mentido sobre o seu biótipo, queria mesmo, apenas conhecer pessoas interessantes.

Com o tempo ele foi selecionando as mensagens, algumas ele ainda respondia, outras, que no título da mensagem já citavam que ele era o genro que a mamãe delas queria, deletava direto. De louco bastava ele.

Semanas se passaram, até que numa manhã de sol, onde os pássaros gorjeavam no jardim anunciando ótimas notícias (sempre tive vontade de escrever essa frase!), ele recebeu um e-mail curto, inteligente, com palavras certeiras, vírgulas bem colocadas, nenhum erro de português, assinados com um nome comum. Maria.

Até que enfim! Alguém interessante! Conversava ele com seus botões.

Respondeu e foi respondido várias vezes, trocas de poesias, de textos, Tantras Hindus, testes psicológicos (nunca se sabe com quem estamos lidando), e foi-se criando uma bela amizade entre os dois.

Depois de alguns meses, a relação entre ambos era quase que diária, precisavam arranjar um meio de acelerar as conversas, foi então que descobriram o famoso ICQ (se você não sabe o que é isso, pergunte ao seu sobrinho de 10 anos, com certeza ele sabe).

Cada vez que a florzinha do Icq piscava, anunciando a presença de Maria, o coração do jovem batia mais forte, não era amor, mas ele gostava demais daquela garota.

Ele, com o passar do tempo, insistia sempre em querer conhecê-la, firmar uma amizade que era apenas virtual em um abraço real, se tornarem amigos de verdade.

Ela, talvez movida pelo medo, sempre escolhendo bem suas frases, negava tal encontro, sempre receosa, temerosa eu diria, com os dois pés atrás.

Você deve estar se perguntando "Porque ela não vai conhecê-lo?".

Pois bem, segundo ela, o simples e inexpressivo fato do jovem ter uma namorada era o argumento necessário para que a amizade deles não se torna-se real.

Você aí em casa, já imaginou o que é conversar com uma pessoa que mora na sua cidade, que mora perto de seu bairro, freqüentam o mesmo local, sempre se cruzam e que não se conhecem? Não é de se encher o saco essa situação? Além do mais por um motivo tão banal... namorada!

Então, amigo leitor, o nosso protagonista também ficou de saco cheio dessa situação e fez um ultimato a garota:

- Ou nos conhecemos no barzinho hoje à noite, ou deleto, literalmente, você da minha vida!

Aquelas palavras firmes, pipocando no seu monitor, foram iguais a uma faca dilacerando o seu coração. Apesar de admirar muito o amigo virtual e desejar conhecê-lo, ela não tinha a coragem necessária para enfrentá-lo, frente a frente, na vida real.

Imaginava ela que o contato físico com o amigo, poderia desencadear um processo afetivo maior por parte de ambos, culminando talvez em uma avassaladora paixão.

- Tudo bem, Alexandre, vamos nos ver hoje à noite, às 20 horas, no barzinho.

Um longo silêncio, mil pensamentos em poucos segundos, e uma frase na tela:

- Maria, como vamos nos reconhecer?

- Alexandre, eu vou estar usando um vestido longo, branco.

- Eu estarei usando uma camisa polo, vinho.

E desligaram. Faltavam poucas horas para finalmente se encontrarem e, ambos, cuidariam de tudo para estarem o mais bonitos possíveis. Sabe como é, para não decepcionar.

Alexandre, de gel nos cabelos e um perfume que fazia-se sentir no outro extremo da cidade, pontual como sempre, chega no horário. Um botão de rosa em uma das mãos, na outra, uma linda caixa de bombons. E espera. Espera muito, o rapaz.

Cada minuto que passava, era maior sua dor. E com sua dor aumentando, aumentava também o consumo de seu whisky.

Foi quando, no canto do balcão, olhando para ele de soslaio, ele a viu.

Era uma mulher linda, alta, talvez um metro e noventa e dois, corpo esguio, bem torneado. Ele não resiste e se aproxima.

- Oi.

- Olá, tudo bem?

- Agora, diria eu, meio alcoolizado (dando um sorriso amarelo).

- Tudo bem, eu também já bebi um pouco.

- Você bebeu? Pensei que não bebia nada alcóolico.

- Ah, isso faz tempo..

Apesar de ter estranhado esse primeiro contato, Alexandre estava adorando a sua amiga, como ela é linda! Pensava ele e, apesar dela estar bebendo (ela havia dito que não bebia), eles tinham tudo para darem certo, serem namorados, sabe?

- Gostaria de lhe entregar este botão de rosa e esta caixa de bombons. Há muito tempo que eu ansiava por este momento.

- Ai, lindo!... Não tenho palavras para lhe agradecer.

A garota não tinha palavras, mas tinha uma boca de dar inveja em qualquer "Puddiimmm", aquela da propaganda, lembra?

Pois bem, foi com essa boca maravilhosa que ela o beijou, e beijou, e em cada beijo ele relembrava o início de tudo, aquelas letras na tela, suas noites de agonia quando ela não aparecia, tudo sendo passado para trás, a partir daquele momento seriam eles, um do outro, eternos amantes, namorados, marido e mulher.

- Ah Maria, eu te amo!

- Maria? Maria é meu nick. Meu nome é Waldemar...

Até hoje o Alexandre escova os dentes 5 vezes por dia, fora o Listerine que consome (dois vidrinhos por dia), quanto a computadores, nunca mais ele quis saber, nem de computadores, muito menos de mulheres (!) que se chamam Maria.

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