Tema 009 - CÓDIGO
BIOGRAFIA
OS MÉDICOS E NOSSOS MONSTROS
Viviane Alberto

Outro dia, me disseram: Tá triste, olhe no espelho. E eu bem que fui lá, dar uma espiada. Quem sabe esperando um espelho mágico no espelho meu. Não preciso dizer que o espelho não falou comigo.

Mas, enquanto eu escovava os dentes (será que foi por isso que ele não falou comigo? Faltou glamour?) reparei numa coisa. Sabe os risquinhos na nossa íris? A íris, a menina dos olhos, a bolinha colorida? Então, ela é cheia de riscos e o estudo dessas marquinhas é um ramo da medicina. Iridiologia, se não me engano. Fiquei lá, olhando pra eles, com a boca cheia de espuma. Aquilo ficou na minha cabeça. Como é que alguém podia saber o que estava acontecendo com o meu corpo, só olhando pros meus olhos? Que corpo falante é esse que eu carrego, que não fala comigo, mas que entrega o jogo pra qualquer um que saiba decifrar o código da menina que fica dentro da menina?

E fui me lembrando de outras coisas. A acupuntura trata o paciente aplicando agulhas em suas costas. Seguindo um mapa invisível no corpo, onde cada ponto corresponde a um órgão interno. O equilíbrio dos pontos é a saúde do indivíduo. E tem as sementinhas que eles colocam na orelha. Tem gente que procura o tratamento pra emagrecer, outros pra parar de fumar. Pelas orelhas.

Tem também o Do-In. Com a ponta dos dedos, eles pressionam alguns pontos no nosso corpo, pausadamente. Lembrei de um dia em que minha cabeça estava decidida a estourar. A dor que começara miudinha tomara proporções de dinossauro e já não tinha um analgésico que eu não tivesse tomado nas ultimas horas. Uma moça que trabalhava comigo segurou meu braço e começou a pressionar dois pontos de uma vez só, perto do cotovelo. Dava uma dorzinha chata, quase cãibra. E eu lá, repetindo que não estava melhorando nada, aliás, agora eu tinha duas dores, uma na cabeça e outra no braço.Não estou sentindo nada, não estou sentindo nada, quando percebi, cadê a dor? Sumira, sem Doril. Daí descobri que tinha um ponto específico pra cada mazela e minhas cólicas diminuíram sensivelmente, desde então.

Não deixa de ser interessante... De um lado a medicina tradicional e seus doutores de branco, que nos colocam sentadinhos diante de mesas lustradas, de madeira nem sempre cheirosa, em seus consultórios que muitas vezes recendem a éter e desinfetante de eucalipto. A brancura indefectível de médicos e auxiliares e receituários me dá um tédio mortal. A luz fria também não colabora muito com nossa aparência, já meio debilitada por algum vírus ou bactéria.

Por outro lado, temos o que os conservadores do império branco chamam de Medicina Alternativa. Deram um nome de seita religiosa pra tudo que é novo e menos invasivo do que um bisturi. Que chamem do que quiserem, mas é tão mais confortável saber que alguém sabe o que estou sentindo apertando meu cotovelo, pressionando minhas costas ou - olha que lindo, que humano!- olhando nos meus olhos.

A gente cresce ouvindo que o tempo é remédio pra tudo. E ninguém nega. Quer coisa mais alternativa, mais natureba que isso? Eu não sei se ele cura tudo, não. Em matéria de tempo, tenho muito pouco pra constar no meu prontuário. Mas sei que o gosto dele é amargo como fél. E ele é bem que nem remédio mesmo, a gente só quer o danado quando ele é doce, caso contrário faz cara feia e quase cospe fora.

Mas não existe alternativa pro tempo. Tem que engolir e pronto. E, às vezes, dói mais que injeção.

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