Tema 010 - GENGIBA
BIOGRAFIA
GENGIBANDO
Rosi Luna

Era época de recenseamento do IBGE e fui uma daquelas funcionárias públicas que fazia trabalho externo. O bom dessa experiência é que você conhece todo tipo de pessoa. Podia até me vangloriar de já ter entrevistado um leprososo, um ladrão profissional, muitos gays e prostitutas. Meu universo de conhecimento humano ficaria bem vasto depois desse trabalho. Não sei se porque era muito falante e sempre bem humorada fui nomeada a supervisora que iria visitar as recusas.

É porque não dá nem pra imaginar a quantidade de pessoas que se recusam a receber a visita do infeliz do recenseador. Os pobres tem mêdo e não entendem pra que é necessário saber a quantidade de pessoas que existem no Brasil. Já o rico tem sempre algo a encobrir e tem mêdo de revelar alguma de suas falcatruas. Nesse meio fica a classe média que é uma caixinha de surpresa, ora recebia de bom grado e ora fechava a porta bem na cara dos pesquisadores.

O carro oficial era um gurgel e ele levava os supervisores nas casas que tinham problema pra receber o recenseador. Me lembro de ter ouvido do meu chefe imediato a seguinte argumentação.

- Vá com calma nessa casa, que o homem apontou uma espingarda para o recenseador.

Que obviamente nem olhou pra trás e saiu correndo. Estava chovendo torrencialmente nesse dia, ao descer do carro bem em frente da casa em que ia visitar, caí numa enorme poça de lama. Quando o homem abriu a porta, não deu nem tempo de me aprensentar pedi para me mostrar uma torneira e me trazer um pano para limpar meus sapatos. Ele me ajudou na operação limpeza e já fui fazendo as perguntas.

Ele relutou um pouco, mas aos poucos foi cedendo e fui preenchendo o questionário. Primeira pergunta - Qual o nome das pessoas que moram aqui?

Não me recordo o nomes exatos, mas  ele respondeu  algo do tipo tem a Joana minha "mulé" e os "fios" o Pedro e o Joaquim. Quando acabei de anotar ele disse:

- Moça, esqueci de falar tem o "mentar" lá no quarto, ele conta também?

Lembro de ter perguntado com aquela cara de não entendi.

- Como é "mentar"?

- É dona o pobrezinho sofre das "facurdade mentar".

Respondi que contava, sim.

- Dona a senhora quer ver ele?

- Não, preciso só anotar o nome e idade dele.

Ele me levou assim mesmo no quarto e lá estava um rapaz com um sorriso enorme.

- "Óia" dona num precisa ter mêdo dele que ele está assim com a "gengiba" toda de fora por causa que ele é muito "risonho" assim mesmo. "Tivemo" que arrancar "os dente" tudo dele que tava tudo "podrido".

Consegui preencher todo o questionário sem problemas, quando estava no fim das perguntas ele olhou pra mim e disse.

- Tô com a "gengiba" coçando tanto, acho que vou ter quer mandar o doutor "arranca" tudo que é dente meu também.

Eu contra argumentei que era melhor ele tratar os dentes e não arrancar nada. O fato é que ficamos horas gengibando e falando sobre "gengibas". Isso aconteceu num bairro de periferia do Recife e o legítimo cabra da peste, o dono da gengiba coçante fêz a maior amizade comigo. Em momento algum eu corrigi ele e sempre me referi a gengiva como "gengiba". O caso de recusa foi resolvido e acabamos de "gengiba" de fora de tanto rir e pasmem o homem até me deu uma jaca. Meu chefe não acreditou quando cheguei da casa do homem considerado super bravo com a jaca nas mãos.

E viva as "gengibas" e deixa eu rir e colocar a minha pra fora antes que caia uma jaca na minha cabeça. Pena que aqui no sudeste é difícil de encontrar uma jaca mole. E como gosto, é uma fruta pra "gengiba" nenhuma botar defeito.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor