Tema 018 - PENSAMENTOS IMPERFEITOS
BIOGRAFIA
TEMPOS MODERNOS, UMA SUB-RAÇA OU
MUTAÇÃO COMUNISTA?
Alberto Carmo

São mocinhas, garotões - uns e outros mais velhos, transviados do caminho das pedras - bichinhas, bichonas, dondocas, almofadinhas, malhadas e malhados, andarilhos das avenidas, carcereiros de cachorrinhos e crianças, estressados e assanhadas, gangues de jiu-jitsu, skatistas, pára-quedistas, freqüentadores de Miami, habitués dos supermercados, viciados no Jornal Nacional, fundistas de elevadores, amantes da listinha da Veja, ou assinantes da Época. Faltou alguém? Ah, os consumidores de Gatorade, leite desnatado, mortadela light e assemelhados, embutidos ou não. Povo engraçado esse, isto é, hilário, que é como os frescos acham graça. Tudo é hilário a nível de. Riem até de comercial do Unibanco.

Em comum, têm uma característica:  Faltou-lhes uma boa sova na infância e na adolescência. São homens - quer dizer, médio - mas não honram os fios dos bigodes, nem o que Deus lhes colocou no meio das pernas e entre as orelhas. Mulheres - mas não fanáticas -  que depilam tudo, até lá na pororoca - que fica parecendo os bigodes do Dali - e também não honram os encaracolados fios pubianos, nem a ternura que, pelo menos até a hora em que deu linha no provedor, traziam no peito.

E como são nervosos, perceberam? É calmante de cá, calmante de lá, vitamina da moda, baseado - ou versão superior - para alguns, analista para outros. Tá nervoso? Senta a bunda na água fria, como diria a vovó.

Ora, faça-me um favor! - vê se toma rumo, rapaz. Deixa de boiolice. E a dondoca? Não gosta de cuidar da casa, nem de cozinhar e passar roupa? Tem babá para os pimpolhos? Gosta de quê? Ah, trabalha fora e não tem tempo para cuidar do lar. E ainda faz academia, três vezes por semana. Certo, mas isto é uma vergonha!

Onde vão arrumar tempo, e disposição, para aquela trepadinha insubstituível, logo pela manhã ao acordar, e depois aquele banho a dois, demorado, ensaboado e bem safado. E preparar, os dois, aquele desjejum a quatro mãos, com os olhos brilhando e as peles frescas e macias, sem precisar de hidratante. Impossível! A essa hora já estão nos escritórios, perfumados e bem-arrumados, maximizando lucros e derrubando a concorrência. Está certo. Quer dizer, se está bom assim, só na base do calmante mesmo. E que não se ponha a culpa na TPM, nem na gastrite.

Tênis e squash depois do expediente? Vai pra casa, mané! Ela ainda não chegou? Mas que diabos ela está fazendo a esta hora? Boxe na academia? Você se casou com o Eder Jofre, meu filho? Olha que, vai ver, ela anda levantando halteres, e vai ficar com o bíceps maior que o teu. Toma vergonha nessa cara bem barbeada e vai lá buscá-la agora mesmo, cabra da peste. Ah, se o teu pai te visse desse jeito.

Já está nervoso de novo? A bacia com água fria está lá no quintal, sirva-se, tome um banho de assento. Que diacho de bermuda maluca é essa? Você usa cinta-liga colorida? Você vestiu do avesso, a etiqueta tá pro lado de fora. É drag nas horas vagas? Ah, é roupa pra malhar. Mas isso aí é uma camiseta ou o corpete da tua filha? E esse OVNI que você calçou? Parece botinha de nenê, com a biqueira pra cima. Então você fica correndo pelas ruas, assim travestido, ou praticando esporte coletivo, ou em dupla, com os amigos; e ela fica lá, malhando na academia. Eu, hein! Como é mesmo que aquele inglesinho dizia? Há algo de podre na Praça do Patriarca?

E a que horas vocês dois se encontram para, você sabe. Depois das 11h da noite, quando não tem nada de bom na TV, ou no cinema? Mas assim você não passa da primeira, e com muito sacrifício, correndo risco de uma precoce básica. Para isso nem precisava fazer vasectomia. É desperdício de pílula, de DIU, e não paga nem o custo operacional da camisinha. Está jogando dinheiro pela janela, tigrão. Desse jeito, herdeiros, só num golpe de sorte, ou do vizinho, ou se der um espirro durante o orgasmo. Como? Você não transa quando está constipado, pra não passar pra parceira? Então, quando estiver no meio do ato, enfia rapé nas narinas. Caramba, que sujeito frouxo!

Heureca! Te peguei no flagra! Que drágeas são essas, que você escondeu embaixo da língua? Está com virose? Macacos me mordam! Mas que neologismo é esse de virose? Outra bichice que te venderam nas abobrinhas que anda lendo? Olha, bula de remédio é só pra ler e rir, e pra inglês ver, ou inocentes úteis gastarem o soldo e a saúde, engordando as albardas dos laboratórios. E tem que tomar remédio porque deu um espirro (por que não deu lá em cima?), ou porque a garganta está arranhando? Ou pegou uma febrinha, e não vai nem dar chance aos já parcos anticorpos? Mas que meigo!  - Pai, perdoai-os, eles andam vendo TV demais!

Nervoso outra vez? Só um minuto, vou preparar um rabo-de-galo e... Como é que é? Só bebe coisa importada? Tudo bem, mas isto aqui não é "drink", é remédio mesmo, receita do Nhô Totico. Pode tomar, que a frescura passa num instante. Mas que cara mais cheio de nove horas! Gente desse tipo deve consumar o ato pra procriar, ou por exigência do contrato matrimonial, e ainda assim nasce tudo mirradinho - de corpo, ou da idéia.

E a madame? Anda meio agitada, brigando com as paredes, achando que o Antonio Banderas é sonho de consumo e chutando o aspirador de pó, só porque engoliu a calcinha nova, que tem um pisca-pisca com a inscrição "decifra-me ou te devoro"?

Olhai os lírios do campo, ou melhor, dêem uma espiadinha naquelas casas à beira das estradas, e percebam a fileira de bacuris. É como chocalho de cascavel, coincidem com as bodas do casal. É um por ano. Essa pobre gente não tem acesso ao controle de natalidade dos convênios médicos, nem aos "confortos modernos". Mas vai lá perguntar pra patroa se ela tem calores, calafrios, abafamentos íntimos, histerismo, ou frustração profissional; ou se o caboclo fica perdendo tempo, a ler o Caderno de Economia, morgando em spas, ouvindo trinados de tenor gorducho, ou entupindo-se de Viagra e Lorax, ou seja lá o que esteja na moda tomar nas rodas superiores.

Voltando à vaca-louca, isto é, à geração preguiçosa, mesmo com toda essa parafernália tecnológica, biológica, mercadológica, patológica e patalógica, ecológica e ilógica, ainda assim não há felicidade. Reclama-se mais que diretor de escola de samba em dia de apuração. E bota frescura no modus faciendi¹ da gente moderna!

Tempos atrás, ouvi de um campônio: - A gente veve, veve e a pobreza num diminói! Ele só sabia que era pobre porque lhe disseram isso na TV. Na realidade era feliz. Um pouco de distribuição de renda e governo decente, e ele viveria sossegado lá no canto dele. Mas, ainda assim, ele dá de dez na gente daqui, em termos de qualidade de vida. Qualidade de fato, não os falsos conceitos de "viver bem" que espalham aos quatro asfaltos.

Traduzindo para o economês: - A gente bebe, bebe, e não descobre aonde dói!

¹ Frescura no modus faciendi (móduç faciêndi). [Lat.] Maneira de agir um tanto afetada, por vezes efeminada, cheia de não-me-toques, que Lampião puniria com a extirpação dos genitais; e meu avô, que era mais complacente que certos himens, com um: -Vai pegar no cabo da enxada, moleque ranheta!

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