Tema 024 - A PERFEITA SOLIDÃO
BIOGRAFIA
AS PEQUENAS COISAS DA VIDA
Larissa Schons
"Há males que vem para o bem”.
"Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”.
"Antes tarde do que nunca”.

Todo dia era o mesmo inferno para Rosi. Acordava, fazia o café da manhã, olhava o jornal, de tanto ler tragédias e impunidades perdia a fome. Naquele dia saiu contrariada de casa. Na esquina um moleque lhe pedia uns "real" enquanto sua mãe jogada na calçada fumava um cigarro. Contrariada com a situação disse que não tinha e ligou o rádio. Nada de relaxamento tinha que escutar as primeiras notícias do dia. Enquanto ouvia as notícias pensava na frase chavão do seu chefe tirano: "Informação é a alma do negócio".

No volante não parava de reclamar: - Não posso perder tempo e essa fila enorme que parece não ter fim. Prezo pela pontualidade e agora mais essa.

Vinte minutos na fila e ela descobre o motivo do congestionamento: um choque entre uma carreta e um Pálio. Não podia ver essas coisas, ficava nervosa e quanto mais nervosa ficava mais reclamava: - Essas carretas como sempre imprudentes. Correm que nem uns loucos e acabam tirando a vida das pessoas.

Três quilômetros depois no semáforo fechado percebeu que no carro ao lado uma mãe aos berros brigava com o marido e dava palmadas no filho. A criança chorava, os adultos continuavam discutindo e ela seguia que nem uma louca desenfreada. Faltavam cinco minutinhos, mas felizmente conseguiu chegar a tempo. Passou pelo corredor dos desesperados, nome dado pelos funcionários do departamento jornalístico. Era o corredor dos funcionário perdidos, que corriam pra lá e pra cá, apressadíssimos, tentando superar o próprio limite do tempo, sempre em busca de novas informações. Em todas as portas o já manjado slogan "Informação é a alma do negócio". Entrou na fila do cafezinho, percebeu o olhar da secretária do seu Onofre. Dona Lena com um olhar carregado de preocupação perguntava: - Rosi você está bem?

- Estou Leninha, estou, esssstouuuu...

Acordou sem saber o que tinha acontecido. O seu Onofre não parava de perguntar se ela estava melhor, mas Rosi não se lembrava de nada e nada respondia. Preocupado ele empurrou uma cadeira, sentou do seu lado e começou a falar:

- Dona Rosi, a senhora sempre foi uma funcionária exemplar. Não digo em se tratando de honestidade, porque a senhora há de convir que a dona Mixirica é uma das nossas mais brilhantes funcionárias... E a senhora deve saber que numa sede jornalística informação, tempo, dinamismo e feeling valem ouro. Valem OUROOOO, dona Rosi. Respeito o seu perfeccionismo, acho válida a sua preocupação, a sua excelente pontualidade, mas no trabalho como o nosso temos que estar sempre correndo. E a senhora me desculpe, no momento não está em condição... (silêncio). Olhe para o seu rosto dona Rosi. Olheiras, olheiras profundas! Olhe para a senhora dona Rosi. Magra, magérrima, fraca e ainda por cima com manchas roxas nas pernas. A senhora está estressada. A partir de hoje tire duas semanas de férias. E por obséquio, relaxe dona Rosi.

- Mas seu Onofreee...

- Nem mais nem menos. Ande, ande. Tempo, tempo, dona Rosi. Vá, vá, divirta-se!

Rosi chorava desesperadamente. Sentia-se péssima. Como chegara a esse ponto. Todos a olhavam com pena. Perguntavam se ela precisava de alguém. Se precisava de ajuda para chegar até sua casa. Desorientada ela dizia que não precisava de nada. Às 10:00 tinha marcado uma consulta no dentista. Aproveitaria esse espaço de tempo pra chegar mais cedo. Não fazia idéia de como iria relaxar. Tirar férias e ir pra onde? Sentia-se sufocada e não sabia pra onde ir. Chegou no consultório antes do previsto. Resolveu pegar uma revista pra se distrair. Mas seu pensamento crítico não lhe dava trégua. Era cassação aqui, era guerra de tráfico ali, era crise no futebol. Não parava de pensar nessas desgraças. Folheou a página e deu de cara com um anúncio de viagem. Até que enfim uma luz no fim do túnel! Uma paisagem belíssima, muitas montanhas e verdes vales. ("Há males que vem para o bem”). Triunfante pensou:

- É isso Rosi, Rosinha! Está aqui a solução dos teus problemas. Como não pensei nisso antes. A casinha de sapê no planalto oeste. É lógico! Vou subir a serra. Vou sair dessa loucura de cidade grande. Vou contar carneirinhos. Vou andar descalça. Vou respirar o ar puro. Paraíso lá vou eu!

Sem pensar duas vezes saiu do consultório. Foi direto ao centrão da cidade. Numa dessas lojas de eletrodomésticos comprou uma secretária eletrônica. Esse seria o seu único elo entre o campo e a cidade. Chegou em casa, pegou sua mala, colocou os deliciosos edredons, cachecóis, pulôveres, moletons, twin-sets, jogging, todas as roupas de frio que tinha. Cd's e mais cd's, livros e mais livros e foi embora. Por último deixou um recadinho na sua secretária eletrônica:

- Piiiiiiiiii... A Dra. Rosi só volta daqui a duas semanas. Foi pro paraíso. Quer saber onde é o paraíso? Não digo, não digo, não digo! Vai plantar coquinho, vai! Que é?...Vai ficar aí? Você insiste em deixar recado?  Entonces per favore, mas olha lá hein, não seja extenso! Smack, smack, smack... piiiiiii.

Duas semanas no friozinho da serra. Comendo comida caseira. Caminhando nos verdes vales. Olhando o nascer do sol. Respirando o ar puro e geladinho da estação. Encolhida num edredom ouvindo uma boa música, lendo a mais pura das literaturas. Ao redor o calor do forno à lenha. O prazer das pequenas coisas. Sem televisão, sem rádio, sem jornal, sem computador, sem celular, sem essas parafernálias da vida cotidiana. Estava na mais perfeita solidão. ("Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”).

Restabelecida e com uma nova fisionomia. Contentíssima e preparada para mais um, dois ou quem sabe três anos de pressão constante voltou ao trabalho. Todos estavam admirados. O seu Onofre de queixo caído. Nunca havia imaginado que duas semanas poderiam mudar tanto uma pessoa. E Rosi estava feliz. Feliz por ter uma nova visão do mundo. Agora via e conseguia valorizar as pequenas coisas da vida. Percebeu o olhar dos colegas no famoso corredor dos desesperados, não ligava mais para aquilo. Estava triunfante. De repente deparou-se com o olhar daquela coisinha... ("Antes tarde do que nunca”).

- Olha só, Rosinha. As pequenas coisas que te fazem tão bem. O Paulinho ali. Uh lá lá, 1,60 de pura masculinidade e ainda por cima dando mole pra ti. Ai, ai...Como você nunca reparou nisso antes!?...Je t´aime, Je t´aime!

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor