Tema 024 - A PERFEITA SOLIDÃO
BIOGRAFIA
CINELÂNDIA
Luís Valise

“I want to be alone!”. Alguém pode não saber quais os filmes estrelados por Greta Garbo, mas certamente saberá que essa frase foi dita por ela durante um faniquito estelar. Quer dizer, quase todas as pessoas saberão, já que não poderemos contar com as tribos dos txucarramães, nhambiquaras, ianomâmis e jogadores de futebol. E com Pâmela. Pâmela Cardinale.

Nascida no início dos 70 num distante bairro paulistano, filha de migrantes que abandonaram suas terras ressequidas em busca da melhoria que a TV mostrava como uma promessa, foi criada cercada pela miséria tão natural naquelas bandas. Ela era a única pessoa realmente bonita por ali. Todos notavam e ela também, que fazia planos secretos de sumir dali tão logo aparecesse uma oportunidade.

O auditório estava lotado, as luzes fortes esquentavam mais ainda o ambiente abafado. No palco o animador se esgoelava tentando manter o pique da platéia, que entrava em frenesi cada vez que surgia um garoto de calças justas, cabelos compridos e cara-de-pau. As mais atraentes eram trazidas para a primeira fila, desde que estivessem usando saias bem curtas e decotes exagerados. E isso era com ela mesmo. Ambelina Bezerra sabia que essa era a chance de ser notada e daí pro sucesso seria um pulo.

Quem sabe dançar lambada? Em meio ao escarcéu instalado ela foi uma das escolhidas. Subiu ao palco com o coração disparado, dançou sem saber bem com quem, foi sendo escolhida e quando deu por si o animador bradava “... e qual é o nome da Rainha desta noite?” O horror chegou de chofre, jogou a Ambelina pra trás e lá de dentro veio a voz sumidinha: Pâmela. Palmas para Pâmela.

O auditório visto de frente pela primeira vez, achou todas ridículas e sentiu-se em seu justo lugar.

Naquela mesma noite, mais tarde, enquanto escolhia um nome artístico, o animador chupava seus peitos e dizia “... maiores que os da Claudia Cardinale!”. Pronto. Seria assim: Pâmela Cardinale. Acordou sozinha no motel, os prêmios da noite anterior (uma corbeille, um vidro de perfume Jezebel e um urso de pelúcia) arrumados sobre o sofá, um cartão de visitas com o telefone do animador.Estava dado o primeiro passo.

Os que se seguiram foram conhecer o patrocinador do programa, que também lhe reconheceu a beleza dos peitos e lhe deu mais um urso, e passar um fim-de-semana com um cantor que lançava seu primeiro disco e cheirou cocaína todo o tempo (e broxou, graças a Deus!).

Foi convidada a fazer um comercial de um creme anti-sardas. Gastou os tubos no salão de beleza mas só mostraram seu colo, magnífico e que nunca precisara de creme nenhum. Chamada pra aparecer na capa de um disco de lambada, o que viu nas lojas foi sua bunda no rodopio da saia. Começava a perder as esperanças quando conheceu um câmera-man que fazia pose de diretor e nem lhe elogiava os peitos: mandava-a calar a boca e se concentrar na foda.

Não chegou a dar pra nenhum txucarramãe, nhambiquara ou ianomâmi. Deu pra vários jogadores de futebol. Nunca ouviu falar em Greta Garbo. Começa a ter vontade de ficar sozinha.

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