Tema 028 - MEIA PALAVRA
BIOGRAFIA
SEM PALAVRAS
Roseli Pereira
Outra noite voltei pra casa num momento particularmente inspirado. Durante todo o percurso, em plena hora do rush, frases inteiras iam brotando no meu pensamento. Mais do que frases: parágrafos. Mais do que parágrafos: o texto todo. E mais do que um.

Eu não via a hora de chegar e começar a escrever, escrever, escrever. De aproveitar cada palavra, cada tiradinha irônica. Tudinho.

O micro estava internado na assistência técnica. Mas quem liga pra isso? Até uns 10 anos atrás eu jurava que nunca usaria um computador! Tá certo, me livrei da máquina elétrica pra economizar espaço. Mas quem liga pra isso? Antes de começar a trabalhar, eu só sabia escrever à mão!

Finalmente me ví no portão. Aquela pressa toda, e a chave enganchada no fundo da bolsa. Calma, só falta um pouquinho. Subi a escada correndo e entrei procurando papel.

Droga! Esqueci (de novo) de comprar sulfite pra impressora e pro fax. Mas quem se importa com isso? Em algum lugar desta casa eu vou encontrar papel. E encontrei. Post it, bloquinho de recado, envelope ofício usado, papel higiênico, papel toalha e guardanapo de papel. E eu com uma caneta de ponta porosa na mão.

Nada mais. Nem um verso de carta de banco. Nem um saquinho de padaria. Nem uma embalagem de meia de nylon. Mas quem liga pra isso? Vizinho existe pra ajudar numa emergência. E quem disse que o vizinho estava em casa?

Quase às raias do desespero, dou com aquele cardápio da pizzaria. Aquele, que não tinha nada escrito atrás, lembra? Catei a caneta, mentalizei a primeira frase, respirei fundo e não tive dúvidas: #22,50# vinte e dois reais e cinquenta cent… êi! Peraí! O que é que você tá escrevendo?

É a agitação, é a ansiedade… Bom, vamos lá, relaxa. Fecha os olhos, respira fundo de novo, abre os olhos bem devagar e aponta a caneta pro papel. Isso! Agora começa: #35,00# trinta e cin… ôps! De novo? Será que eu surtei?

Concentre-se, mulher: nada de número, nada de número, nada de número. Pronto. Lá vou eu: São Paulo… mas será o Benedito? Levanto, dou uma volta pela casa, tomo um copo de água. Certo. Agora é só virar a folha pro outro lado, que eu preciso economizar papel. Vamos lá: RG 8.7… ah, não! Pensa rápido em outra frase. Aquela, que era tão boa. Isso mesmo: Tel.: 383…

É, não adianta, mesmo. Acho que sisquecí. Mas, também, será que ainda existe no mundo alguém que liga pra isso?

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