Tema 031 - DISFARCE
BIOGRAFIA
MÃOS ABAIXO!
May Parreira e Ferreira
Estou de capuz negro no rosto. Ninguém irá me reconhecer, você com muita sagacidade não saberá que por detrás deste capuz se disfarça alguém cheio da violência, cheio de ver novelas, cheio das especulações do mercado. Estou cansada de tudo isso. Cansada da infelicidade. Estou lançando o Movimento dos Mãos Abaixo, ou mãos embaixo, ou mãos ao longo, desde que não seja Mãos ao Alto. Preciso do disfarce, porque pode pegar mal, pode não ser do agrado das massas. E não é porque moro fora do Centro Expandido da Cidade de São Paulo, vá você pensar que moro no fim do mundo não. Onde eu moro não é nenhuma Veneza, eu não me chamo Diogo Mainardi, não escrevo na Veja, não odeio o Brasil, nem falo mal da minha terra. Estou de capuz preto no rosto porque tenho vergonha de quem fica se debruçando na infelicidade do mundo, de quem vê tudo o que há de errado, e com ânimos alterados, atira pedras nos olhos alheios, não há propostas nem tampouco soluções. Moro num lugar arejado, de céu brilhante e cores fortes.

Estou de capuz negro no rosto porque fico ruborizada ao me lembrar que Platão nos sugeriu que quanto mais nos aproximarmos das coisas belas, mais próximos do belo em si estaremos. E certamente ele não estava a dizer da beleza estética somente, falava também da ética, da moral, falava dos valores humanos que podem ser possíveis. Mas isto é filosofia, e me perdôe se o faço pensar em outra coisa que não seja o cotidiano da TV, os Ratinhos, as estrelas que se engravidam como seres assexuados, amebas que são, as dores de barriga da filha da vizinha da tia da Xuxa, os chiliques retaliativos dos estadistas.

Estou cansada de tudo isso. E de capuz na cabeça. Sei que a vergonha é um sentimento narcísico, mas saber não a faz diminuir dentro de mim, principalmente quando o que quero é olhar o mundo e ver o quanto há de beleza neste mundãodemeudeus, nos seres humanos, nos céus, nas terras, nas pequeninas flores de buganvilha que fazem meu jardim povoado de estrelas púrpuras. Não estou propondo uma atitude covarde e cega. Proponho que se dê atenção ao que pode ser bom e belo. Ao que possa nos fazer bem.

Quero ter amigos, amar meus filhos, mimar os netos, quero ser generosa, quero cuidar dos meus bichos, quero escrever coisas que agradem à alma, ouvir boa música, falar com quem é interessado pela vida. Aquele que quiser coisas semelhantes é só cooperar com o Movimento dos Mãos Abaixadas. Se formos um número expressivo, talvez possamos andar pelas ruas de cabeças livres e levantadas.

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