A GAROTA DA PROPAGANDA
Tarciso Oliveira
 
 
Fernando simplesmente não podia acreditar no que seus olhos teimavam em mostrar. Desde as primeiras horas da manhã daquele ensolarado domingo estava tenso com a presença da nova moradora do conjunto habitacional em que morava. O prédio em que o burburinho se concentrava ficava bem ao lado do dele. Seria mesmo a garota da propaganda do Mercadinho Preço Bom? Cada vez que a garota aparecia, acompanhada de um dos carregadores da firma de mudanças, ele sentia o coração disparar. Era ela, pensava. Outras vezes pairava uma sombra de dúvida. Mas continuava ali, fixo na janela do seu quarto, acompanhando toda a movimentação dos móveis da nova vizinha ilustre.

Lembrou que se apaixonara por ela desde o primeiro dia em que a viu na TV. Foi durante a páscoa. Não esqueceria aquela cena: ela vestida de coelhinha com um grande ovo de chocolate nas mãos, convidando o consumidor a encontrá-la no mercadinho. Imaginou na época que uma garota igual a ela era tudo o que sonhava. Depois vieram mais propagandas, sempre do mercadinho. Ela, bem simpática, morena de olhos claros, estatura mediana, talvez na flor dos seus dezoito aninhos, não tinha mais do que uns 50 quilos, ou nem isso. Seria interessante abraça-la e sentir que detinha o poder de quebrar todos os seus ossos com um único aperto, pensou e sorriu das suas idéias excêntricas.

Ele, só tinha dezessete anos. Era um típico adolescente de classe média no auge da sede sexual. Colecionava todo tipo de revista de mulher pelada. Escondia todas de sua mãe, que o fazia crer que realmente são sabia onde ele as escondia. Seu computador já estava com o HD abarrotado de fotografias e vídeos de todo o tipo de sacanagem. Não resistia nem às revistas de mostruário de calcinhas que sua irmã largava pela casa.

Imaginou que se encontrasse a nova vizinha face a face não conseguiria conter a emoção, talvez até morresse. Resolveu, então, brincar com a morte. Foi dar uma volta por lá como quem não quer nada e, se ela aparecesse, poderia dirimir qualquer dúvida quanto a sua identidade. Aproximou-se do espelho, penteou o cabelo, espremeu uma espinha que ousava se destacar no nariz, pôs um pouco do seu perfume favorito e desceu as escadas lentamente, evitando qualquer esforço que o fizesse suar. Teria que estar impecável. Lá embaixo, caminhou em direção ao apartamento da nova vizinha fingindo desinteresse. Quando passava ao lado do caminhão que trouxera a mudança viu a garota, e ela caminhava em sua direção. Sentiu o corpo tremer e não acreditou quando ela lhe dirigiu a palavra:

- Por favor, você sabe onde posso comprar alguns pregos? É que estou precisando pendurar uns quadros...

- Se você quiser, eu posso pegar lá em casa... Temos muitos pregos sobrando... - Fernando falou nervosamente, como se estivesse sido pego fazendo algo errado.

- Que amável! Você faria isto?

- Claro. Eu posso também trazer um martelo. Você quer?

- Quero sim. Muito obrigada pela força.

Ele, ainda trêmulo, subiu as escadas do seu apartamento rapidamente. Chegou à área de serviço esbaforido. Remexeu tudo o que havia nas prateleiras e, por fim, encontrou o que procurava. Tão rápido quanto subiu as escadas voltou à frente do apartamento da vizinha. Ela ainda estava lá, dando algumas instruções aos carregadores.

- Aqui está - disse ele, ofegante - Você quer que eu lhe ajude?

- Ficaria muito agradecida. Venha comigo. Como é que você se chama?

- Fernando.

- Muito prazer, Fernando - disse ela enquanto se virava para ele e estirava-lhe a mão - Meu nome é Melissa.

Se lhe pudessem ouvir o pensamento naquele momento seriam ouvidas seqüências intermináveis de "Melissa, Melissa, Melissa, Melissa, Melissa, Melissa". Ele descobrira o seu nome. Tão fácil e tão simples quanto empurrar um bêbado de ladeira abaixo.

- Aqui está bom? O que você acha?

- Han? Como? - respondeu Fernando, desconfiado e voltando do seu devaneio.

- Ou você acha que está muito alto? - continuou Melissa.

- Está perfeito! Posso bater o prego?

- Fique à vontade.

Melissa gostava muito de arte e possuía uma grande quantidade de quadros. Escolhera seis deles para embelezar a sala, no que fora auxiliada por Fernando que, na verdade, só fazia concordar com tudo o que Melissa dizia. A manhã já estava quase no fim quando ambos terminaram de pendurar o último quadro. O pessoal da firma de mudanças já havia ido embora há horas.

- Ficaram ótimos! - exclamou Fernando.

- Também acho. Mais uma vez, muito obrigada pela ajuda.

- Não foi nada...

O trabalho havia chegado ao fim, pelo menos no que se referia às aplicações de pregos na parede. Quando Fernando ameaçou se retirar foi convidado por Melissa para tomarem juntos um suco de graviola. Ele aceitou imediatamente, queria ficar ao seu lado. Intimamente estava feliz e, durante aquela sessão de marteladas, descobrira que a amava. Ela o fizera perder a inibição e, por isso, ele estava mais tranqüilo e confiante. Não diria de imediato que a amava, esperaria alguns dias. Diria que a paixão começara desde que a vira na televisão, o que era uma verdade. Pelo pouco que a conhecera naquela manhã não tinha dúvidas que ela era a mulher da sua vida. E enquanto ela estava na cozinha preparando o suco, chegava a sua mente a imagem dela vestida coelhinha na propaganda do mercadinho. Pensava que, depois que se tornassem mais íntimos, ele pediria para que ela se vestisse igual à propaganda. Com certeza ela não recusaria, pensou.

- Aqui está - disse Melissa, interrompendo sua fantasia.

- Obrigado - respondeu ele.

- Que tal?

- Muito bom! Muito bom, mesmo! Eu adoro graviola. E também chocolate... - respondeu e se sentiu constrangido por ter mencionado a palavra chocolate.

Por alguns segundos Fernando pensou no que diria para quebrar o gelo que, subitamente, se formara. Claro que não poderia ser outra asneira, pensou.

- Você tem feito alguma nova propaganda?

- Ah, você também? - respondeu ela sorrindo.

- O que foi? Disse algo errado?

- Você está falando por causa da propaganda do Mercadinho Preço Bom, não é isso?

- Sim.

- Eu realmente fiquei famosa depois daquela propaganda. Só que... Não sou eu na propaganda. Eu apenas me pareço com aquela garota. É incrível como as pessoas me param na rua para pedir autógrafo! Eu já estou quase convencida de que sou eu no comercial....

- Então, não é você?

- Não. Claro que não.

Fernando se despediu friamente de Melissa e foi para a sua casa. Em alguns momentos chegou até a se arrepender de tê-la ajudado. Como ela poderia fazer aquilo com ele? Como ela poderia se passar pela mulher da sua vida? Estava realmente aborrecido com ela. Como ele pôde deixar-se enganar, afinal, olhando bem para Melissa, via-se logo que ela não tinha nada da sua amada. E com essas idéias, fechou a janela do quarto para não mais ver a sua vizinha. Levantou o colchão da cama e pegou a Playboy do mês. Pelo menos ali as garotas não fingiam que eram outras. Folheou, folheou e parou numa determinada página. Pensou novamente em Melissa e a odiou pelo que ela fez. Após o gozo matinal, dormiu pensando na sua coelhinha da propaganda.

 
 
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