A CALDEIRA
Fernando Zocca
 
 
Estávamos em 74 durante aquela Copa do Mundo fatídica. O frio era terrível. As crianças quase não se aventuravam a sair para as ruas. Quando o faziam era por pouco tempo. Logo depois recolhiam-se deixando as brincadeiras da comunidade.

Eu já estava aposentado há muito. E para não perturbar minha velhota dentro de casa, permanecia defronte a morada observando o movimento de carros e pessoas. E foi durante um dia, logo depois das três horas que eu vi surgir lá na esquina, aquela mulher bonitona. Era mesmo de causar admiração sua boniteza. Caminhava conduzindo duas crianças. Sempre no mesmo horário lá vinha ela levando e trazendo os filhos da escolinha que ficava por perto.

Caminhada vai, caminhada vem, e logo pusemo-nos a conversar. Ela era moradora nova no trecho. Seu marido era vigia de um açougue localizado em outro bairro distante da cidade.Ela queria saber se eu não tinha coisa melhor para fazer. Perguntou se eu não poderia aproveitar de outra forma o meu tempo.

Coloquei-me a sua disposição. Disse-lhe que se pudesse ser útil em algo, que poderia contar comigo. Ela então sentindo-se a vontade falou que precisava de caronas. Argumentou que os filhinhos não se acostumavam com longas distâncias. E carona vai, carona vem, nossas conversas fluíram com assuntos tais como a dificuldade financeira. Dizia ela que o maridão não satisfazia a contento as despesas do lar.

Notei que em certa ocasião ela apareceu com uma vigorosa mini-saia. Posso dizer que era vigorosa em termos de escassez de pano que apresentava. Aquelas coxas bem feitas, aqueles joelhos lindos e os tornozelos precedendo os pezinhos eram mesmo de açodar os velhotes. Eu estava a ponto de ter faniquitos todas as vezes que me encontrava com ela.

Bom para não esgarçar a paciência do meu querido leitor devo resumir os fatos: acabei entrando na casa toda vez que o maridão lá não se encontrava. Nossa que vergonha!

Mas o que me aborreceu mesmo foi um fato repetido por cinco ou seis vezes. Eu me sentia mal sempre que quando íamos conectar nossos corpos, ela fechava a porta do quarto sob os olhares dos meninos, que ficavam perguntando o que ela ia fazer. Aquilo me cortava o coração. E cortou o coração de outro velhote safado, que logo depois de mim, começou a freqüentar a casa da desmiolada. Ele teve um infarto fulminante, quando recebeu a admoestação do corno que acabara de saber da sua condição.

Bem a confusão toda terminou em agressão verbal, escândalos na vizinhança, muita baixaria e Separação Judicial. O traído arrumou outra mulher. A traidora outro homem. E eu muito solitário continuei observando o movimento dos automóveis e das pessoas ali da minha sacada. A solidão se aprofundava mais e mais a cada dia que passava.

Parecia que o destino de forma canhestra e funesta procurava vingar-se. A sua idiossincrasia bastante provinciana impedia resposta direta, racional e madura como convinha ao mundo moderno.

E assim separando, excluindo, conforme faz o demônio, me vi numa caldeira do diabo sendo cozido pelos males do passado. Ele fez-me perder tudo o que tinha na vida: a alegria.

Mas eu sempre tinha sido um bom menino. E por certo continuaria assim até o final dos tempos.

 
 
fale com o autor