SOBRE VIVER E SOBREVIVER
Eduardo Loureiro Jr.
 
 

A vida é um bem superestimado em nossa sociedade. Acredita-se que viver a qualquer custo é melhor do que morrer, que qualquer maneira de viver vale a pena. Não importa se criando a vida em provetas - e mais recentemente através de manipulação genética - ou conservando a vida em Unidades de Tratamento Intensivo superequipadas. Nossa meta é viver cada vez mais. "Viver cada vez melhor", retificarão alguns, mas crentes de que não é possível viver melhor se não se está vivo antes.

Dos quatro aviões seqüestrados nos Estados Unidos no último dia 11, três atingiram o alvo, apenas um falhou. O motivo da queda do quarto avião ainda não está claro. E por que não está claro? Porque a única explicação plausível relativiza a vida como valor maior, e talvez não estejamos preparados para encarar essa verdade.

Três aviões atingiram o alvo não apenas porque os três homens que os pilotavam eram malucos e estavam dispostos a enfrentar a morte, mas porque nenhum das centenas de passageiros estava disposto a abrir mão da vida. Em nossa sociedade, se acredita na conversa, no diálogo, na negociação, no socorro, no final feliz. Os passageiros tinha fé que a polícia saberia como abordar os sequestradores e retirar todo mundo - menos os sequestradores, é claro - com vida.

O avião que estava direcionado para a Casa Branca, o quarto alvo, foi impedido pelos próprios passageiros. Enfrentaram os sequestradores não com uma conversa psicológica, mas com a própria arma do inimigo: o desapego à vida. Dizem que os passageiros desse último vôo foram avisados de que não haveria negociação possível, que mais um símbolo americano seria destruído. Isso talvez justifique a perda da própria vida, afinal outras seriam salvas. Mas os passageiros poderiam ter deixado a tarefa para a aeronáutica, que tinha ordens para bombardear o avião cheio de civis. Também nada garantia que o avião descontrolado pelos próprios passageiros matasse ainda mais gente, caindo sobre uma área residencial da Pensilvânia. Enfim, não foi um ato pensado, foi uma reação mais do que uma ação, foi impulso, instinto a favor da morte e não da sobrevivência, como costumamos pensar.

Não é preciso apenas viver, e deixar viver. É preciso viver, e deixar morrer. Morrer, e deixar viver. Morrer, e deixar morrer.

 
 
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