A INFLUÊNCIA DO JAZZ NO COMPORTAMENTO DOS PEIXES
Bruno Freitas
 
 

O termostato marca vinte e oito graus aproximadamente, o aquecedor permanece ligado, enquanto a luz fria e branca ilumina o ambiente. Os filtros biológicos borbulham ao som da bomba de ar. Um único escafandrista permanece estático no fundo, ao lado do aquecedor e coberto de musgo. As plantas dançam no movimento da água, que mantém seu PH em 7.0. Para reduzir a acidez use alcalinizante, e para reduzir a alcalinidade use acidificante. É meio confuso assim no início, mas no jardim biológico submarino, os habitantes dançam ao som do jazz.

Os Acarás Bandeiras bailam suas cristas ao som de Charlie Parker. Descendo ao fundo e subindo em piruetas, movendo-se como uma montanha russa embaixo d'água. Os Limpa-Fundos preferem o som de Dizzy Gillespie, e manobram em sincronia sua mais elaborada dança ao redor da enorme parede de vidro. Sobem e descem juntos bailando sua coreografia estereofônica. Os Neons espalham-se milimétricamente em formação ao redor das plantas, apenas um pouco acima das pedras do rio - qualquer rio. Os Plathys, sejam roxos, claros, pretos, ou Mickey Mouses, reinam absolutos no controle populacional do aquário. Alguns deles reagem melhor a um acorde de trompete, outros preferem um saxofone, outros menores ainda, preferem ouvir a cozinha, deixando os que sobraram ouvindo a percursão. Porém todos concordam que a alegria esfusiante dos gritos de intervenção do Mingus, no clímax da música, são simplesmente geniais.

O balé New Tijuana Moods apresenta uma performance extraordinária: Os Plathys bailam através de seu reinado absoluto nas águas neutras do ambiente biológico da era de Aquarius. Os Neons iluminam de azul todo o jardim submerso da Babilônia. Os Acarás Bandeiras piruetam e apostam corridas sob o céu de águas claras e luz fria. Os Limpa-Fundos são os únicos com uma coreografia própria em volta da montanha de vidro, que cresce ao a partir das pedras naturais de um rio qualquer. Nem mesmo o escafandrista escapa da quebra de monotonia em seu Octopussy's Garden - Beatles já é demais psicodélico para os peixes. Mente superior domina mente inferior.... Goulpi, Goulpi, Goulpi, Goulpi, Goulpi - morreram todos os Goulps, e nem puderam ouvir as excentricidades dos Mingus, Parkers, Gilespies, Monks, Coltranes, Davis, Basies, Hubbards, Gordons, Hancocks e muitos outros não mencionados afora.

Acontece que com o Jazz, os peixes dançam e pulam como fossem bailarinas de can-can em New Orleans, ou ginastas contorcionistas em nado sincronizados. Nem mesmo se importam com a luz acessa do termostato, nem com as borbulhas do filtro biológico, ou com as intervenções espontâneas da bomba de ar, ou no perigo que os espreita sob suas cabeças, na lâmpada fria de quarenta watts, devidamente plugada à eletricidade. Nada parece perturbar o balé sincronizado dos peixes. A precisão de suas manobras lembram as piruetas cirúrgicas dos monstros jazzísticos em seus instrumentos, e dizem que a vida 'dos peixes' imita a arte. ...Ou será a vinda dos peixes...

Seja como for, os peixes dançam sim, mas nunca ao som de Pixies, os peixes dançam ao som de jazz, tanto faz o interprete, musicista, ou compositor. O estilo pouco importa, existem tantos diferentes, que dificilmente importariam. O essenssial é invisível para os olhos 'dos peixes'; são as vibrações de um jazz agitado que fazem os Limpa-Fundos bailarem desordenadamente em sincronia, ou as ambientações mais lentas que fazem os Neons e os onipresentes Plathys circularem o aquário em busca de alguma saída para o suicídio do lado de fora da era de Aquarius.

O escafandrista continua lá, imóvel e estático, coberto de musgo, preso às pedras falsas de algum rio qualquer.

 
 
fale com o autor