PEDRA FALSA
Edson Rodrigues dos Passos
 
 
- Foi mais fácil que imaginava!

Doutor Norton era o homem mais rico da cidade, negociador implacável e sagaz, amealhou sua fortuna pelo seu arrojo e esperteza.

Beirava os cinquenta, e sua fama já ultrapassava as fronteiras de sua região. Era uma verdadeira lenda viva.

- É um Diamante?

Perguntou à um de seus informantes, que permeavam a cidade, na busca de negócios de ocasião.

- Se é.... !? ele recebeu de herança de seu pai, que também recebeu de seu pai, e por aí vai. É uma relíquia de família, dos tempos da escravidão.

Ele, no caso, é Júlio, um negro forte e liso, pouco mais de vinte, desempregado e a mercê da sorte, com uma criança nos braços.

- Num vendo não senhor, meus antepassados foram açoitados em Diamantina para esconder este diamante. Ele é a única garantia de futuro de meu filho.

- Posso ao menos ver?

Embrulhado num pedaço de pano, debaixo da cama, numa caixa de sapato, Júlio tirou a pedra brilhante. Era cristalina e transparente, reluziu nos olhos do doutor Norton, aguçando-lhe a sede.

Ele a virou de um lado e de outro, colocou-a contra o feixe de luz, jogou-a para o ar, medindo o peso.

- Estranho! - Disse reflexivo.

- O que é estranho?

Surpreendeu-se Júlio.

- Espere um pouco.

Doutor Norton tirou o paletó, afrouxou a gravata, caminhou até seu carro, retirou uma lupa do porta-luvas e voltou.

Mirou-a de cá, mirou-a de lá.

- Que é doutor? - Júlio parecia aflito.

- Nada, tome sua pedra rapaz.

Doutor Norton levantou-se, vestiu seu paletó, sorriu amarelo, e fez feição de desapontado.

- Muito obrigado!

Ia saindo, deixando todos atônitos, quando Júlio o interpelou:

- Que cara é esta doutor?

- Deixa pra lá, você não iria acreditar.

- Acreditar no que?

- Bem....tenho que ir.

- Espere, deixei o senhor ver a pedra, não pode sair me deixando curioso assim.

- A pedra é falsa!

- Como a pedra é falsa?

- Desculpe, mas seus antepassados sofreram em vão.

Júlio inundou os olhos, abaixou a cabeça desolado, como se toda sua riqueza tivesse dissipado numa simples frase. Sua esperança parecia pisoteada e seu orgulho reduzido a zero. Conseguia apenas balbuciar:

- Mas como.......

- Desculpe, não devia ter dito nada.

- E quanto ela vale?

- Praticamente não tem valor econômico, sinto muito.

Doutor Norton que já alcançava a porta, deixando para trás a tristeza pairando pelo ar, de repente parou, pareceu indeciso, voltou a passos hesitantes, colocou a mão no ombro de Júlio, que sentado na cama levava as mãos a cabeça.

- Eu quero comprar a pedra.

O informante ficou perplexo, viu pela primeira vez, piedade naquele homem rude e implacável nos negócios.

- Mas o senhor disse que ela não vale nada.

- Dou por ela dois mil reais, mas quero que coloque na poupança, para garantir o futuro de seu filho - Doutor Norton afagou os cabelos da criança.

- Obrigado doutor, que Deus lhe pague.

Ao entrar no carro, o informante estava com o semblante jovial e sorriso fácil, satisfeito disse:

- Doutor, não conhecia seu lado altruísta!

- Não conhecia porque não existe.

- Como assim? - Espantou-se de vez o homem.

- A pedra é verdadeira.

- Caramba, o doutor é mesmo uma raposa.

No barraco, Júlio estica o pescoço pela janela e grita:

- Zelão vem pegar seu filho.

- E aí cara, como foi desta vez?

 
 
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