O ANEL
Flora Rodrigues
 
 
Possuo um anel com uma enorme pedra oval azulada que fascina todos a minha volta com o seu brilho. Sempre tive a ideia que o anel era de fantasia e na realidade é. Mas o que é facto, é que a sua pedra desperta sempre não só a admiração como as mais curiosas reacções que tive oportunidade de observar sempre que o usei. As pessoas na rua sem me conhecerem de lado nenhum dirigiam-se a mim para me fazer as mais diversas perguntas. Perguntavam-me que tipo de pedra era aquela, em que joalharia tinha comprado o anel, se não tinha medo de andar com um anel tão valioso na rua e por aí além. Ao que eu respondia invariavelmente que o anel era de fantasia, que a pedra era de vidro. O que é nem mais nem menos que a verdade, tirando o pormenor daquela não ser uma pedra vulgar. Segundo as indicações da minha Tia que me ofereceu o anel, este tratava-se do anel do humor. A característica específica deste anel é que o seu vidro teria um tratamento para mudar de cor de acordo com os vários estados espírito do utilizador. Também era suposto este vidro não apanhar água, mas como tinha o hábito de nunca me separar daquele anel, fazia tudo com ele ,o que implicava que ele tivesse que ser molhado várias vezes. A verdade é que talvez por acção da água, aquele anel ganhou um brilho azulado tão forte, que até a mim me fascinava.

Mas o verdadeiro motivo pelo qual eu não me queria separar do anel, nada tinha a ver com o seu valor material, mas sim com o seu valor simbólico e afectivo. Ele é um dos poucos objectos que possuo, que estabelecem um elo de ligação entre mim e a minha querida tia Maria. Todos nós temos por vezes um tio ou uma tia, ou um alguém muito especial, não por aquilo que nos dá materialmente, mas por ser quem é. Um alguém que nos dedica um carinho e afecto especiais. É isto que é minha tia para mim. Admiro-a pela pessoa especial que é, e pela energia e alegria de viver que transmitia. Contudo tinha sempre que aproveitar muito bem todos momentos que tinha com ela. Pois eram raras as oportunidades de a ver, uma vez que ela reside nos Estados Unidos da América.

Separada pela distância de um Oceano, pelo esquecimento provocado pela doença de Alzheimer que a atacou impiedosamente, o Anel do humor é o único elo que me resta. Na realidade para mim este anel é muito valioso pois ele é a minha tia Maria. Talvez a sua pedra brilhe tanto pelo amor que me transmitiu. Pelo afecto que ainda nos une. Contudo o fascínio que a pedra daquele anel despertava, eram tão fortes que fui levada ao ponto de um dia decidir pedir uma avaliação do anel. Na realidade confirmou-se que se tratava de uma pedra de vidro engastada num aro de fantasia. Talvez ocorra a muitos, como a mim própria me ocorreu que ficaria desiludida depois de tanta expectativa em torno da pedra do anel, que eu ficasse desiludida por esta não ser uma pedra valiosa. Mas o curioso mesmo é que senti uma enorme sensação de alívio. Porém tive de deixar de usar o anel por dois motivos distintos. O primeiro, desencadeamento de uma reacção alérgica a objectos de fantasia. O segundo, mas na verdade o principal motivo, é que a pedra continuava a despertar a cobiça de todos os que a viam. Temi um dia ser agredida por causa do suposto valor da pedra do anel, ficando sem o anel e sem aquele elo tão precioso de afecto.

O anel permanece guardado meu quarto, mas visível para que eu possa apreciá-o todos os dias. Não sei se algum dia terei oportunidade de voltar abraçar a minha tia, mas sempre que olho aquele anel é como se a estivesse a ouvir a meu lado. Guardei o anel pois se um dia alguém mo roubasse, teria roubado um pedra falsa, mas para mim o seu valor é incalculável.

 
 
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