DIZ O DITADO
Rosi Luna
 
 
Que ditado mais comum esse "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura". Coisa mais sem sentido, achar que pode furar? E eu querendo comparar, esses meus miolos moles com uma pedra, e falar - que tenho uma cabeça dura e querendo achar que furou? Dá pra acreditar? É a mais pura verdade.

Minha cabeça furou, de tanto que pensei nele. Sabe uma peneira, assim cheia de furinhos, pois bem, meu cérebro ficou assim em "petição de miséria". Quem me dera, saber escrever rebuscado e não escrever ditados, mas adoro um lugar comum. E pensei, que talvez a gente se encontrasse em algum lugar, mesmo que fosse comum, pelo menos seria um lugar só nosso - meu e dele.

O meu nome é Ágata, não tenho nada a ver com aquela escritora, eu não sei fazer suspense, sou muito direta. Tá certo, que é um nome de pedra, mas não sou insensível, como gostaria de ser em certos momentos. Apesar desse nome duro, sou muito romântica. Meus olhos não são rochas, são fonte de água cristalina que jorram de emoção, nas horas mais impróprias. E eu chorei muito por ele, é díficil confessar isso.

Quer saber se "alguém tem culpa no cartório"? Tem um culpado sim, ele é um homem muito misterioso e ladrão de coração também. Ele é muito inconstante, ora me amava e depois me desamava. Tinha dias que poderia jurar que eu era a mulher mais bonita, mais tentadora, a das pernas mais vedetes, a mais tudo, e que ele desejava cada pedacinho meu.

Outro dia encontrei ele na porta do açougue, aquele monte de carne pendurada e sangrando, não era bem o lugar que desejei encontrá-lo. meu coração também tava cortado, sangrando e ele nem notou. Olhou pra mim frio. Sabe com cara de açougueiro, que corta sem piedade os melhores pedaços e oferece ao cliente. Ele não percebia que eu era só dele, me achava muito dividida e por isso, acho, se esquivou.

Lá vai mais um ditado comum, mas fiz "da tripas coração". Segurei minha emoção, não deixei ele perceber o quanto ele me cortava por dentro. Não queria que ele soubesse o quanto me faz triste. Também com tanto homem no mundo, como é que fui gostar logo de um tipo tão vil. Ele me lembra um dinossauro hervíboro, que me achou com cara de plantinha e me devorou e pronto. Fez a digestão e me esqueceu, lá dentro das suas entranhas. Sim, porque tenho certeza que ele guarda alguma lembrança minha dentro dele. Ele pode não ter memória, mas tem fome e é fome do meu corpo, eu posso sentir seu olhar quente passeando pela minha pessoa, quando me vê.

Se falasse que quase morri atropelada, junto com aquele cachorro sarnento que resolveu atravessar a rua do meu lado, acho que ele iria rir uns dois dias. E ainda mais que não preciso de nenhum um quilo de carne, mas fingi que ia comprar. Como é mesmo "faço um filé mignon se transformar em uma sola de sapato", não sei cozinhar e tenho ódio de lavar panelas gordurentas. Gosto de colecionar livros de culinária, olho aquelas receitas apetitosas, mas gosto mesmo de comprar tudo pronto. Eu fui no açougue só para encontrá-lo, mas ele se fez de cego, ele é um tonto, não sabe o que perdeu. Eu imaginei tudo isso acontecendo.

Ele iria me chamar pelo meu nome - Ágata, eu iria me virar em câmera lenta como nos filmes. Ele iria sorrir e dizer - que bom que está aqui. Nós iríamos jantar num lugar bem romântico e entre um gole e outro de vinho, eu iria cantarolar aquele trecho da música do Chico Buarque "se acaso me quiseres sou dessas mulheres que só dizem sim".

Ele fazendo um dueto musical, iria continuar cantando o trecho "como uma pedra falsa, um sonho de valsa, ou um corte de cetim". Depois ele iria me chamar "meu docinho". Eu ia morrer de vontade de continuar a canção no trecho que diz: "e eu te farei as vontades, direi meias verdades, sempre à meia luz". Mas não teria coragem de cantar esse trecho da música, sei lá, me dava a impressão de estar sendo muito oferecida. De fato mesmo, eu iria lhe dar um longo beijo na boca, que iria exprimir todas as minhas vontades.

Mas que ódio, foi quando percebi que ele saiu do açougue sem dar satisfação. Tem mais ditados vindo por aí "em terra de cego quem tem um olho é rei" com certeza não sou rainha e estou mais para uma cega míope e nem o vi mais. E nem sei quando, o acaso vai me oferecer a possibilidade de encontrá-lo novamente.

Fui atravessar a rua, meio tonta, procurando por ele, e quase morri atropelada. Ele evaporou, sumiu, nem sinal, agora o cachorro sarnento esse nojento, tá aqui pra compartilhar minha decepção. Vou parar ali na barraquinha da esquina e comprar um bombom sonho de valsa, eu mereço me dar esse prazer, esse gostinho ninguém me tira da boca.

E quanto a pedra falsa? acho que é como uma história falsa, que a gente valoriza tanto, se engana tanto, que pensa que existiu. Eu o desejei tanto, sonhei tanto, achei que era verdadeiro, mas não passou de uma pedrinha sem valor e pra rimar - um coração sem amor.

E cabe um último ditado "Inês é morta" mas acredito em vida pós-morte. Quem sabe Inês não aparece vivinha da silva e ele também aparece com um anel pra me dar. Não vou querer avaliar se é falso ou verdadeiro. Eu acredito em sentimentos vermelhos, intensos, como a pedra do meu nome.

 
 
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