O CAMINHO
Flora Rodrigues
 
 
Estava já baratinado de todo. A vida corria-lhe pelo pior e parecia que aquele dia, era um daqueles em que nos arrependemos de sair da cama. Não bastava o gás ter acabado a meio do duche, para ajudar à festa o carro empanara de novo. Já estava atrasado. Só havia uma solução chamar um taxi.

Aturar um daqueles motoristas, constantemente irritados com o trânsito da cidade e que não se calavam o caminho todo, com conversas banais sobre o clima e futebol, constantemente interrompidas pelos insultos aos outros motoristas, não era propriamente o que lhe estava apetecer depois de um duche frio, mas tinha que ser. Sem hesitar pegou no telefone e chamou um taxi. O taxi 113 chegou sem demora. Olhou para o número do taxi, contrafeito. Não que fosse supersticioso, mas de forma como as coisas andavam, ele já nem dizia nada. Não tinha alternativa, cruzou os dedos e entrou no taxi.

Indicou a morada pretendida e o taxista, (curiosamente de poucas palavras) seguiu na direcção do caminho indicado.

Olhava constantemente o relógio. Naquele mês era a terceira vez que chegava atrasado. Não era possível! O trânsito estava parado. Um acidente num cruzamento gerara vários engarrafamentos.

A sua ansiedade era notória, o motorista apercebendo-se disso sugeriu que tentasse um caminho alternativo, mas que seria mais longo. Contudo seria preferível ao tempo indeterminado de espera. Aceitou a sugestão.

Já iam a meio do caminho, quando se apercebeu que aquela paisagem era completamente estranha. Poucos caminhos lhe eram desconhecidos graças à sua actividade de vendedor e principalmente os da cidade onde nascera. Mas aquele caminho era-lhe de todo estranho. Ao contrário do que pensava inicialmente, o silêncio do motorista incomodava-o. Deixava-o com uma sensação de desconforto. Indagou o motorista sobre o caminho que percorriam. Ao que este lhe respondeu que apenas o guiava, por onde ele tinha escolhido, aquela estrada era o caminho que lhe estava destinado. Havia sempre dois caminhos, nem sempre o que parecia mais fácil era mais seguro. Sentindo-se cada vez mais desconfortável argumentou que tinha sido o motorista a sugerir-lhe aquele caminho, mas este último inalterável replicou:

- Dei-lhe apenas uma sugestão. Uma sugestão é algo a que podemos dizer sim, ou não. Ninguém nos obriga a aceitar, e o curioso é que mesmo sem aceitarmos, fazemos sempre uma escolha. Somos sempre nós que escolhemos o caminho. Meu caro amigo, já cumpri a minha missão. Deixo-o entregue ao seu destino - E dito isto o motorista desapareceu como por magia.

Com a respiração ofegante da aflição e o suor a escorrer-lhe pelo rosto, tentou saltar para o banco da frente e tomar o volante nas suas mãos. Mas não teve tempo o carro despenhara-se por um precipício.

O despertador tocou. Abriu os olhos ainda atordoado. Acordou ainda não refeito do susto e com o suor a escorrer-lhe pela testa. Olhou para o lado da cama. As duas garrafas de Gin, permaneciam vazias junto à cama!

Talvez fosse uma sugestão para deixar de beber.

 
 
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