PLACEBO APOCALÍPTICO
Lisa Simons
 
 
Quando nada mais me surpreendia e parecia terem se esgotado as novidades. Quando o propósito de me abster das más notícias e me isolar da mediocridade, atrocidades e sadismo insano da indústria do cinema e das comunicações.
Quando a idade e a costumeira mania que temos de desprezar o novo, tentando encontrar em tudo uma raiz que identifique a repetição do passado, estavam deixando esta carcaça impenetrável, a ponto de ignorar a telinha fascinante da TV e passar distante de qualquer possibilidade de empatia com fatos consumados, sem solução que saber do ocorrido era apenas mais um meio de torturar-se, veio o inevitável, o dia em que foi impossível ignorar os acontecimentos.

Sim, dia onze de setembro fui surpreendida. Oxalá fosse com uma notícia boa, daquelas que desejamos ouvir a cada passagem de ano, mas não, foi de maneira cruel e fiquei estupefata desde então. Bem que eu tentei subestimar os fatos, de início imaginei: é um trote de meu filho e passei a manhã pintando, mas ao chegar em casa fui capturada à realidade, a TV ligada em todos os cômodos repetiam à exaustão os fatos. Eles haviam conseguido o impossível de se conceber e tudo aquilo em que acreditei e me fizeram acreditar ao longo da vida ficou soterrado, junto com o que sobrou daquelas torres imensas.

O Império foi fragilizado!

Sempre que alguma coisa andava errada por aqui, logo vinha alguém dizendo e eu acabava por concordar:

- É, se fosse nos Estados Unidos realmente era diferente!

A justiça vai mal, é morosa e os direitos não são respeitados? Ah! Nos Estados Unidos ela é aplicada, a individualidade do cidadão é privilegiada, doa a quem doer! Lá também o ensino fundamental é gratuito, existem investimentos para pesquisa, professor não precisa mendigar! Ai que maravilha, ali é o meu lugar! Chega de tanta improvisação, de professor fingir que ensina e o aluno que aprende.

Assim eu vivia humilhada invejando os amiguinhos ao norte do equador. E a inveja e humilhação foram ainda maiores quando naquele país estive e pude constatar: o que diziam era de fato realidade, ali o povo era bem mais civilizado e tudo parecia funcionar.

Tínhamos um parâmetro, um modelo que indicava, impiedosamente, o quanto insignificantes éramos e ridícula nossa história tupiniquim, aqui sequer tínhamos heróis e os delineados nos livros de minha infância, acabaram desmascarados e menosprezados pelos intelectuais.

O jornal está cheio de opiniões sobre os fatos, diz ter sido precipitado o ensaio de uma grande guerra pelos americanos. Mas eles que sempre acertaram, tirando os deslizes no Vietnam, hoje, me parece um bando de trapalhões paranóicos.

A figura de Bin Laden se faz presente em todas as programações de TV e nas capas de revistas. Voz pausada, reticente, o rosto sereno e frio dos psicopatas, turbante simetricamente colocado à cabeça, uma imagem carismática atrás de uma paisagem cinza, cinematográfica, que me reporta às estampadas nas películas de publicidade.

E agora são as cartas, o pó emissário de bactérias. Acabei de saber que até em Cajazeiras, na Paraíba, uma funcionária de um escritório de advocacia recebeu uma de Cabul, de um tal Mohamed e dentro dela, advinha, pó!

A pequena CajazeIraS veio abaixo, convocou-se o Delegado, o Prefeito, o jornal de Patos, nem imaginaram que em Cabul não tem mais correios, aliás, não tem mais nada por lá. Mas, por cautela, a moça ficou de repouso, aguardando os exames na Capital.

Dá pra conviver com tamanha histeria?

Mas nada do que vejo é casual. Tudo deve ter sido minuciosamente planejado, até a atração absurda que essa figura vem despertando na cabeça da juventude insatisfeita de muitos países. Para mim ele é o pior dos germens, há dez anos parecia apenas um placebo obscuro, mas se infiltrou de tal maneira que ganhou asas e repercussão internacional usando apenas as armas do mal. Hoje temo pelas conseqüências e não posso mais dormir ignorando os fatos, me vejo percorrendo novamente as entrelinhas das notícias, agoniada com as novidades, ele consegui, fui mais uma vez envenenada.

 
 
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