FRACTAL IV
Sérgio Galli
 
 

É verdade, eu vivo em tempos sombrios.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.

Que tempos são esses, em que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?...

- Bertolt Brecht -

Nada mais sugestivo nestes tempos sombrios do que iniciar este texto com a epígrafe das primeiras estrofes do poema de Bertolt Brecht escrito no início da II Guerra Mundial, isto é, há quase 60 anos, no século passado. Mal iniciado o século 21, terceiro milênio, anuncia-se uma nova guerra. Assim, as sugestões de nota de pé de página estão no corpo do texto.

Justamente por estarmos em tempos de guerra nada melhor (ou pior) do que o romance "Nada de novo no front", de Erich Maria Remarque. Definitivamente o front não é um parque temático. "Doutor Fausto", de Thomas Mann é outro romance apropriado para o momento (na realidade, é sempre hora de ler Thomas Mann). Em tempos de dominação imperial, vale a pena debruçar-se sobre "Declínio e Queda do Império Romano", de Edward Gibbon. Em tempos internéticos, guerra virtual, e tantas outras baboseiras pseudotecnológica, nada mais saudável, reconfortante e instigante do que voltar ao século 19 e ler e reler deleitar-se com os 17 volumes da Comédia Humana, de Honoré de Balzac. Retroceder ainda mais e encarar "A História do Medo no Ocidente", do historiador francês Jean Delumeau. E para não dizer que não citei autores do quarto mundo, O Espelho enterrado, Terra Nostra, Os anos de Laura Diaz, do mexicano Carlos Fuentes; "A Sagração da Primavera, do cubano Alejo Carpentier; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Gabriel Garcia Márquez.

Nestes tempos sem poesia, do lirismo das bombas, ideal para se apreciar Maiakovski, Brecht, o Poema Sujo, de Ferreira Gullar, a Rosa do Povo, a Flor e a Náusea e tanto mais, de Carlos Drummond de Andrade; a Terra desolada, de T. S. Eliot, Canto Geral, de Pablo Neruda; e tantos outros poetas que neste instante não me vem à mente, mas que minha memória jamais esquece.

Nestes tempos de trevas, deve-se cutucar nossos destreinados, alienados e monótonos olhos e horrorizar-se e encantar-se com quadros de Goya, Hyeronimus Bosch, Picasso (Guernica), Edward Munch (O grito), Dürrer.

Nestes tempos de profana celebração da intolerância, dos baixos instintos, da violência, do fanatismo, da arrogância, da ignorância, da vaidade, do egoísmo, do narcisismo, é crucial, num primeiro momento, ouvir o silêncio. Depois, pôr nossos ouvidos entupidos de ruídos, tambores de guerra, uivos, pútridos sons, ao deleite da Missa em B Menor de J. S. Bach, a Terceira Sinfonia de Johannes Brahms, Ode a Alegria, último movimento da nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, Música para Celesta e Orquestra, de Bela Bartok; trio para piano de Schubert; Quartetos de Cordas de Haydn; obras para cravo de Couperin; Noite Transfigurada, de Schoenberg...

Nestes tempos de bombardeiros, mísseis, fuzis, deixar-se trespassar pela música transcendental de John Coltrane (Índia, Impressions, Giant Steps, Love Supreme, Spiritual, Alabamba, África Brass, Om...), Miles Davis, Ornette Coleman, Lester Young, Charlie Haden, Bill Evans, Louis Armstrong, Billie Holliday...

Nestes tempos insanos e de demonstrações pungentes e candentes de estupidez humana (interminável), é sempre tempo de Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Tião Carreiro, Waldir Azevedo, Edu Lobo, Egberto Gismonti.

Bom divertimento.

 
 
fale com o autor