LIBERDADE DE VIVER
Alberto Carmo
 
 
Encheram o mundo de regras, horários, e normas a cumprir, politicamente corretas, ou incorretas.

Mas o que é correto, e por que as normas se, como impressões digitais, somos tão diferentes uns dos outros?

Onze horas da noite de um dia de semana, é hora de dormir. Tocou a musiquinha do Fantástico no domingo, é hora de dormir.

Deus me livre dessa rotina! Tudo igual, programado. Até os centímetros cúbicos do seu xixi têm que ser milimetricamente planejados. Se tiver uma diarréia fora de hora, lá se vai sua programação por água abaixo.

Onze horas: - Boa noite, Maria. E lá vai você para debaixo das cobertas, com ou sem sono. Dá um beijo na mulher e, durma-se com esse barulho interior.

Suponha que você teve um dia perfeito, produtivo. Fez o trabalho de uma semana em poucas horas de inspiração. Ou teve uma idéia brilhante, uma quinqüagésima-primeira chacoalhada nos neurônios, de onde brotou um plano infalível. Vai deixar barato porque passa das dez e quarenta e cinco, ou vai chutar as regras para o alto e deixar fluir seu melhor momento do dia?

Por que cargas d'água você tem que pegar ao volante na mesma hora que o resto da cidade também está pegando? Precisa levar os filhos até a escola? Vá se quiser, se isto lhe der prazer. Mas se incomoda, levante, prepare o "breakfast" dos pimpolhos, cuide para que se vistam decentemente, leve-os até a perua escolar e... bem-vindo de volta à cama! Ou ao trabalho de pensar, de continuar aquela boa idéia, que começou ontem à noite, e que você ainda não levou ao gran finale.

- Cosa fatta capo fa! - como diria Maquiavel. Mas você é o único dono do começo, meio, e fim do que faz. Então faça alguma coisa, e cape essas regras que o infernizam pelos testículos! Ou pelo menos comece a virar esse jogo.

Todo mundo age assim e aceita? Você não é todo mundo, e só aceita tudo quem tem idéia curta, mas não necessariamente cabelos longos. Assumir os custos, claro, mas também as receitas que, pode ter certeza, meu amigo, virão.

Quanto vale lutar contra a geléia geral, ir mesmo ao fundo do poço, e depois emergir livre, eficiente, produtivo, amado e pronto a dar todo amor de que é capaz? Vale talvez o que os livros chamam de felicidade, nirvana, êxtase, ou coisa assim.

Quantas pessoas você conhece, que passaram a vida aceitando, conformando-se, acovardando-se frente aos seus sonhos, acomodando-se frente a um bem-estar ilusório, dobrando-se ao conforto preguiçoso, esquecendo-se de que sem buscar os sonhos a vida não passa de um trabalhar insatisfeito, encher o cofre, comprar tudo que puserem pela sua frente, aposentar-se e, coisa de alguns meses depois, morrer de enfarte, ou similar. Triste, desiludido, insatisfeito, mal-resolvido, mal-amado, amante fracassado, que deixa uma descendência de filhos de um pai, ou mãe, infeliz. Um verdadeiro pateta da vida.

Estabilidade, nem tração nas quatro garante, meu amigo, ou minha amiga. O problema é a acomodação.

Olhai os lírios dos campos, infiéis!

Há quanto tempo você não toma chuva, pisa descalço na terra, percebe o céu da primavera, transa a noite inteira com sua mulher, e de tarde também, leva flores para ela antes de ir ao trabalho, ou um sorvete no meio da tarde, em plena segunda-feira? Ou pegar seus filhos e ir empinar pipa na USP, jogar botão, passear de carro a vinte por hora, rolar na grama, pegar girino no lago do Ibirapuera?

Ser feliz custa, e custa muito. Não é algo para homens e mulheres preguiçosos, acomodados, gananciosos, ou coisa que valha.

Felicidade é privilégio de quem sonha, e não tem medo de gastar todas as energias nessa busca!

- Boa noite, Maria.

- Que horas são, meu bem?

- Não sei. Joguei meu relógio, minha agenda, e minha casca, na privada!

- Seu louco!

- Louco por você. Vem!

Adoro filme com final feliz...

 
 
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