E, NA SAUDADE, MARIA
Mariazinha Cremasco
 
 
Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia -
Dentro da casa: saudade!
E na saudade: Maria!
(ANIS MURAD).

Sentada de frente para a janela. Em que pensará? A casa é bonita. A frente é cor de rosa. Muitas plantas no jardim bem cuidado. Dois gatos dormem preguiçosamente na soleira da porta principal. Aparentemente um lar comum, mas não é. É um asilo para velhos. Eles teimam em dizer que é "casa de repouso" mas, convenhamos, é um asilo para velhos. Não sei e não quero julgar os motivos que tiveram para abandoná-los ali. Abandonados, sim. Pelo menos a mulher que conheço e que lá está, é abandonada. Abandonada pelos filhos. Abandonada e triste. Se pelo menos ela estivesse ausente, se não estivisse tão lúcida... mas está. Em que pensará essa mulher de cabelos brancos, sentada de frente para a janela, olhar perdido? Nos finais de semana, quando a visitam, os filhos a tratam como criança. Ou como uma incapaz, "vamos tomar sopinha? Vamos comer bolachinha? Quer tomar solzinho? Olha, como ela está bonitinha. Passou batonzinho". E Maria olha. E Maria sorri. Faz de conta que está bem. Apesar de tudo, não quer que se preocupem e se esforça para não chorar. Maria ama. Maria sente. Maria pressente. Maria mente.

Em que pensará a velhinha sentada em frente à janela com olhar perdido? Será que ninguém tem saudade de Maria? Será que ninguém se lembra do tempo em que ela, firme, cuidava de todos? Será que ninguém pensa nela? Desculpam-se com longos discursos. Hoje o mundo é uma selva. Não temos tempo. O lugar é bom. Tem médicos, enfermeiros, pessoas especializadas em velhos. Nós pagamos e ela tem o melhor. E o carinho? E o amor? E o respeito por essa criatura que fez o seu melhor, errando ou acertando?

O dia passa, e levam Maria para a cama. Ninguém para dizer, com voz amiga: boa noite, Maria.

 
 
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