EU, VAGABUNDO
Paulo Panzoldo
 
 
É sempre assim: toda semana, a gente fica aqui pensando, pensando, no tema da semana. Às vezes dá um certo desespero verificar que "não há saldo" suficiente no nosso banco de idéias. Afinal, onde é que esses "Anjos" vão buscar essas coisas? Pior mesmo (ou melhor, sei lá), é que eles só nos dão a dica depois que arrancamos todos os nossos fios de cabelo em busca de uma abordagem. Enquanto a gente fica aqui pensando, pensando, eles parecem rir de nós, de nossa luta em encontrarmos uma palavra, uma letra que seja, para darmos início ao texto. O tema "Boa noite, Maria" parece fácil, mas não é, tantas Marias envolvidas. Da Virgem a mais anônima das Marias, passando pelos José Maria - por que não? - de pai José e mãe Maria, que perambulam aos borbotões pelo Brasil afora, tento filtrar, buscar na memória alguma Maria que me tenha marcado. Verifico que não são poucas, que cada uma delas daria uma crônica em separado e decido mudar a abordagem.

O consumismo como eixo central de nossas vidas fez com que nos transformássemos em eternos insatisfeitos e, uma vez que não somos, necessariamente, donos de nossos próprios narizes, dependemos, mais e mais, uns dos outros a cada dia que passa, mesmo que não nos apercebamos disso. O consumismo de que falo, não é antiglobalizante, muito menos antineoliberal, mas sim do consumismo como objetivo único de nossas vidas, independente de ideologias ou de doutrinas econômicas. Essa insatisfação constante, que tanta ansiedade nos causa, nasce da necessidade criada: precisamos de um celular que fale sozinho; precisamos de um computador cem vezes mais rápido do que o que temos; precisamos de um carro mais luxuoso do que o do colega de trabalho. Para quê? Para nos comunicarmos e nos locomovermos cada vez mais rápido, gerar empregos, mostrar que somos socialmente aceitos, e... criar conflitos que nem sempre têm solução em tão curto espaço temporal.

Encostei o burro na sombra. Vivo na flauta e deixei de querer precisar de algumas coisas antes muito, mas muito necessárias à manutenção de minhas neuroses. Com isso, descobri que existe um Ser Humano dentro de mim. Descobri também que o Humanismo que muitos têm pregado por aí tem servido apenas e tão somente para alimentar os interesses espúrios de seus pregadores. O Humanista passou a interessar-se pelo seu próprio desenvolvimento como Ser Humano e não mais pensar na Humanidade. O resultado aí está: bombas e tortas de morango espalhadas pelo deserto afegão, além, claro, de milhares de pessoas que perderam suas vidas, além daquelas que ficaram sem futuro, devido à queda das torres gêmeas de NY. Ao encostar meu burro na sombra, não adormeci, pelo contrário, acordei. Minha preguiça foi embora junto com meu trabalho e minhas ambições pessoais. Meus restos podem ser enterrados juntamente com os escombros do WTC.

Na flauta, descobri que simples palavras podem mudar nosso dia-a-dia e, conseqüentemente, nossas vidas. Coisas que antes não me interessavam, como a vida de uma Maria qualquer, que varre a calçada ou o chão do Banco onde deposito meu dinheiro, passaram a me interessar. Só porque decidi viver na flauta. Afinal, as vidas dessas Marias são cheias de conteúdo humano e, convenhamos, de inspiração literária. Moleza de uns, trabalho de outros. Na flauta, descobri o valor que um simples "Bom dia, Maria", tem para um candidato a escritor. Assim deve sê-lo também para os poetas, pintores, músicos e outros "vagais" que perambulam por aí atrás de uma dica, de um toque que lhes acione a máquina inspiradora.

Troquei a solidão do 'rush' pela companhia de sábias Marias anônimas. Morri, larguei daquela vida e comecei a viver e, como os hábitos criam tipos de vida, habituei-me a procurá-las, as Marias. Por isso, viva a vagabundagem e... "Bom dia, Maria", ou "Boa noite, sei lá".

 

 
 
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