INSÔNIA
Luisa Jardim
 
 
Um carro dá uma freada na esquina e ela acorda. Não abre os olhos, tentando continuar o sonho gostoso. Mas, não adianta, parece um complô: um bêbado canta na rua, o relógio da igreja próxima bate - uma, duas, três, badaladas. Três horas de uma madrugada fria. Enrolada no cobertor, procura se aquecer, pois precisa voltar a dormir, ou vai ser difícil enfrentar o dia de trabalho. Mas não adianta. Já sabe que será mais uma noite em que ouvirá o relógio tocar quatro, cinco horas.

A seu lado, o companheiro dorme, ressonando alto, alheio à sua insônia.

O calor do outro corpo talvez a confortasse, mas não se aproxima. Não quer se arriscar a acordá-lo e enfrentar mais uma daquelas intermináveis discussões.

Fica ali, quieta, pensando em como será sua vida sozinha, agora que tomou uma decisão. Então lhe vêm à mente as palavras de uma música de Edu Lobo e Chico Buarque (Abandono): "O que será ser só quando outro dia amanhecer? Será recomeçar? Será ser livre sem querer?"

Bem, para ela será uma experiência nova. Há muito tempo não fica só, há muito não tem um tempo só para si mesma. Se recomeçar significa procurar um novo sentido para a vida, então é recomeçar sim, buscando a liberdade, que é esperada há muito tempo.

Não percebe quando passa para o sono e só volta a pensar nas palavras dos poetas quando acorda, atrasada para o trabalho.

 
 
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