E DÁ PRA ESQUECER?
Carolina Marábes
 
 
Hoje é sexta feira. Uma maldita sexta-feira, e eu estou dormindo na casa do meu namorado. A merda é que estamos dormindo mesmo!

O pior é que eu estava dormindo... Acordei com os roncos do Antávio (mistura de anta com Otávio). Pensei em esbofeteá-lo até que acordasse, mas preferi fumar um cigarro na cama. Meu companheiro de colchão odeia que eu fume no quarto!

Acabei o cigarro, acendi outro na bituca e desisti da competição. A fumaça perdeu por pontos para os roncos e meus ouvidos deram a vitória para o sono pesado do Otávio. Na sala, às escuras, eu entendi o por quê do meu mau humor; meus amigos estão todos no bar comemorando o dia da cerveja acompanhada de salame fatiado com gotinhas de limão. Se eu não estivesse tão ligada no Otávio também estaria me divertindo e não ouvindo roncos! Amanhã Antávio estará viajando. Acho que vou sair com os amigos. Aliás, é melhor aproveitar que todos estão juntos no bar e combinar hoje ainda.

Ligo para minha irmã, que está na bebemoração:

- Oi! Como estão as coisas aí no bar?

- Hein?

- As coisas; quem está aí, quem está dando vexame, quem está com quem. Essas coisas!

- Hein?

- Ficou surda?

- Hein?

Desliguei mais pela inveja do burburinho ao fundo que pela surdez momentânea da mana caçula.

Como inveja não mata e eu não estou disposta a ouvir a sinfonia da anta adormecida, fiquei aqui, na cozinha, bebendo café solúvel e pensando na minha semana. Nas minhas últimas semanas.

A minha jornada nessas últimas semanas não está sendo fácil. Apesar de trabalhar como corretora, não consigo alugar um apartamento para mim. Acho que falei na minha biografia, que estou batalhando um canto e um carro. Falei? Se não falei, eu digo agora; quero independência.

Encontrei o apartamento P-E-R-F-E-I-T-O. No lugar que eu quero, do tamanho que eu quero e com o valor de aluguel que eu posso querer. E tem tudo que eu preciso: porteiro eletrônico para controlar certas visitas; sacada pra eu pendurar uma rede e ficar lá mofando; banheira e chuveiro separados... Já imagino aquela banheira cheia de pétalas de rosa vermelha, velas (muitas), e claro, EU lá, me desmanchando. Eu viajo mesmo.

A merda é que não consigo fiador. Nem fazer o maldito do seguro fiança já que meu lindo nome está sujinho e o do Antávio idem. No nome do meu pai não consigo porque tenho que arrumar um fiador pra ele, e isso é impossível. A pobretada da minha família não tem nem barraca de camping, imagine um imóvel com escritura definitiva (A família do Antávio idem). Meu pai se recusa a fornecer um extrato da conta bancária pra eu levar na empresa de seguro fiança. Minha tia é funcionária pública e se colocou a disposição, puxei a ficha está devendo o cartão de crédito. Até ela limpar isso (ela disse que paga até o final do mês), o apartamento que eu encontrei já era.

EU QUERO AQUELE APARTAMENTO!

Ali é perto de tudo, não preciso de carro para ir trabalhar e ainda é muito romântico, pois foi naquela rua que eu conheci o Antávio... Ai Otávio! Eu sou maluca por ele.

Volto para o quarto e fico admirando meu belo adormecido. Ele ronca tão gostoso, parece o ronronar de um gato... Eu sou mesmo maluca. Sem independência, sem teto e sem carro, mas uma maluca muito doce.

 
 
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