AUSÊNCIA DE ANJOS
Fátima de Carvalho Palácio
 
 
Enquanto as crianças cresciam, eu olhava os portões que davam para o caminho da cidade. Todas as manhãs fazia seu café, carinho de pão com manteiga.

Os dias passavam em uma nuvem cor de rosa. De felicidade?

Em um dia de outubro qualquer, as crianças já adultas ausentes, você, um sucesso completo, meu anjo saiu de férias. Assim, com a simplicidade que têm as catástrofes.

Fiquei subitamente humana. Carne, sangue, desejo. Andando pela casa, onde mesmo o sentido de arrumá-la? O supermercado nosso de cada dia! Que importa o que vamos comer no jantar? Jantar de confraternização, com todos, todos que não eram nada. Nadar como uma sereia. Nua, frente aos convidados estarrecidos.

A presença do demônio?

O anjo caído à espreita pela casa, você olhando a conta de minha escola de dança.

Tango!

Pernas entrelaçadas, tacones lejanos, dançar com você, usando Chanel será uma heresia. Fogueiras da Santa Inquisição!

Os músculos do menino no shopping, o desejo molhando meus jeans. O calor do inferno, a placidez do céu, gozar será o purgatório? Aonde mesmo a culpa?

Os dias dentro do copo de vodka. Assumi todos os pecados, com a gula, a avareza de uma santa.

Tantos os pecados, as confissões, as noites de divórcio não consumado. As famílias assistindo pálidas de medo, filme de terror mal feito.

Talvez, talvez esclerose, talvez felicidade!

Falta de anjos, caídos ou não!

 
 
fale com a autora