AMORES REPENTINOS
Luís Augusto Marcelino
 
 
Beto nunca pensou que passaria daquela noite. Era apenas uma noite, afinal. Pegaria Rute em frente ao Masp, um ou dois chopinhos num dos botecos da Vila Madalena, quem sabe alguns passos de dança, meio desengonçados, trêmulos, improdutivos. Depois era só aproximar-se de seus lábios carnudos, dizer-lhe que a amava e que não era bem aquela a intenção, mas que ele não conseguira resistir. Poucos minutos depois a levaria para um dos motéis da Praça dos Prazeres. O que estivesse menos cheio. O que tivesse a entrada menos à vista. Foi mais ou menos isso mesmo o que aconteceu, só não contava que aquele desejo, aquela vontade de estar junto, de mandar flores, cartões reais e virtuais, de cantarolar uma música romântica qualquer pelas calçadas esburacadas da Lapa, fosse durar mais do que a noite daquele primeiro encontro.

Havia tempos que Rute o olhava de um jeito diferente. A primeira vez que notou foi num pôquer no apartamento da amante. Ela e o Carlinhos o convidaram para um pôquer. Ele levou sua noiva, Isabel, que se dava muito bem com Rute - coisa rara, porque as mulheres morriam de inveja da beleza evidente de Rute. Houve um momento em que acabou o vinho e Carlinhos foi buscar mais dois litros numa adega ali perto. E Isabel pediu para usar o toalete. Os dois então ficaram sós e ela lhe ofereceu mais um pouco de provolone. "Preparo pra você, querido." Alisou suavemente suas mãos imensas e o olhou de outra maneira. Não a maneira como o olhava antes disso, porque se conheciam havia pouco tempo. Ela era de Curitiba, e se casou com seu amigo de infância em questão de meses na capital paranaense. Havia pouco tempo que tinham se mudado para São Paulo. Quando Isabel voltou arrumada do banheiro notou o olhar perdido do noivo, mas achou apenas que ele estivesse pensando nas dívidas. Nas dívidas que contraíram para comprar o apartamento financiado pela Caixa Econômica. Os móveis, a reforma - ela se desfez do Ka vermelho que tanto adorava. Não desconfiou de nada, enfim. Poucos dias depois estavam os dois trocando telefonemas secretos. Um chamando o outro de "mô" - e quando a coisa chega no estágio do mô é porque está ficando séria.

Então rolou aquela primeira noite e outras mais. Isabel começou, enfim, a perceber algo de diferente. Beto recusava todos os seus convites. Nada de cinema, nada de teatro, nada de um Campari ao final do expediente, nada de correr atrás de uma igreja ou de marcar o casamento no cartório. Resolveu segui-lo. Flagrou-os na lanchonete do Sesc Pompéia, numa quinta-feira despretensiosa.

- Não é nada disso que você está pensando...

Isabel não teve forças para chorar. Ou gritar. Ou fazer um escândalo. Ou ligar para Carlinhos para avisá-lo que sua esposa estava dando para o seu melhor amigo. E, o que era pior, que seu noivo estava saindo com a mulher do seu melhor amante.

 
 
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