GATO
Marco Aurélio Brasil Lima
 
 
A ducha Corona que Osvaldo havia achado no Jerivá funcionava que era uma beleza e agora a Lislene não podia mais reclamar de água fria. Tinha que tomar banho todo dia. Ela estava lá, fazendo a lição de casa e resmungando da fresta que tinha aparecido no meio dos blocos. Se um moleque sobe na laje da Tiana pra empinar pipa acaba vendo tudo: ela ali, peladona. O negócio era tomar um banho rapidinho só pro Osvaldo não encher mesmo os picuás.

Enquanto isso, a Jemima fumava um na sala da casa dela, com o Tuim ouvindo Pavilhão 9 no último volume no 3 em 1.

- Essa parte é duca, nêga.

- Cê precisa dum sampler.

Ali na frente, o Renivaldo fingia que prestava atenção na parede que estava furando, pra pendurar um quadro da Virgem, que era relógio também, ordens da patroa. Ele estava mesmo era de olho na janela, por onde via a Lenicleide fazendo uma escova com um secador pequenininho, de costas pra ele, olhando no espelho grudado na parede sem reboco. Aiai, aquelas costas meio peladas.

- Renivaldo, seu imprestável, olha o tamanho do buraco que você tá fazendo!

Três casas abaixo, Denílson ouve o berro e aumenta o volume da TV, onde o Datena estava falando duma chacina no Amália.

Na casa do Sinval, Maluco, Rambo e Calado brincavam com suas armas, sentados em cima do carregamento que havia chegado, enquanto o Bola dava o sinal, soltando os rojões de cima da laje. Sinval reclama da zona porque estava vendo um DVD do Wesley Snipes, e a Cheila punha roupa pra lavar na máquina novinha.

Foi nessas que uma faísca saltou da barafunda de fios sobre os barracos. Eram ligados uns nos outros, um único e enorme "gato". Depois de um tempinho saltou outra, e mais uma, e fez um barulho esquisito.

Dali a pouquinho a fogueira estava alta, dava pra ver lá do Taboão da Serra.

 
 
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