QUASE COMUM
Míriam Salles
 
 
- Alô?

- De onde falam?

- Com quem quer falar?

- Eu liguei para 3555-2244, está correto?

- Sim, esse é o número daqui. Com quem quer falar?

- Com a Luana.

- Não tem nenhuma Luana.

- Como assim? Ela me deu esse número ontem à tarde no clube.

- Que clube?

- O Laranjeiras.

- Esse é o meu clube, e eu estava lá ontem à tarde, mas não sou Luana.

- Mas a voz parece... Tem certeza?

- Que eu não sou Luana? Claro. Eu sou Sueli.

- Ah, Sueli, que belo nome. Muito prazer, Sueli. Então você também é sócia do clube?

- Sou sim, vou lá de vez em quando.

- Nunca te vi por lá. Sua voz é tão doce...

- Como sabe que nunca me viu se nem sabe quem sou?

- Nunca ouvi seu nome, ué. Mas estou gostando de te conhecer.

- Eu também. E você? Quem é?

- Eu sou Omar. Faço tênis às terças e quintas. Você tem cabelos compridos?

- Ah! Tênis. Eu faço natação nesses mesmos dias. Que horas você vai? Eu tenho cabelos na altura dos ombros.

- Das 5 às 7, geralmente. É menos concorrido nesse horário. Que cor?

- Eu vou mais cedo, a essa hora a água está muito fria. Vermelhos.

- A piscina aquecida não funciona mais? Naturais?

- Funciona sim, mas esse horário é muito concorrido. Não, pintados. Combinam comigo.

- É mesmo. Sueli, a gente podia combinar de se encontrar lá no clube um dia desses, né? Hum, adoro cabelos de fogo.

- Pode ser semana que vem?

- Xi, semana que vem vou estar muito ocupado. Não gostou do que eu disse?

- Ah, que pena. Olha, vou fazer uma coisa. Amanhã, que é quinta, ficarei até mais tarde. Gostei sim, é que sou timida.

- Então vou desmarcar minha aula para podermos conversar. Onde nos encontraremos? Já sei que seu cabelo é cor-de-fogo, e o resto?

- No bar da piscina, pode ser? Sou uma pessoa comum, Omar. Altura mediana, nem magra, nem gorda, olhos castanhos... Como vou te reconhecer?

- Colocarei um cravo na lapela. Adoro pessoas comuns. Mas sua voz não tem nada de comum.

- Um cravo? Mas daí todos vão saber que não nos conhecemos. O que minhas amigas vão dizer?

- Então marque em outro lugar, mais isolado. Cravo na lapela é romântico, bela.

- Não sou bela, já disse, sou comum.

- Já decidi que é bela, sim. Uma voz como a sua deve vir acompanhada de um corpo maravilhoso. Onde?

- No parque infantil. Nessa hora está sempre vazio (suspiro).

- Certo, então nos encontraremos no parque infantil às 17 horas? Não vejo a hora de te conhecer.

- Ok. Até amanhã então. Um beijo.

- Um beijo delicado em sua face rosada.

- Como sabia?...

- Imaginei. Tchau, minha bela.

- Tchau.

* * *

No dia seguinte, ao fazer a ronda noturna, o guarda do clube encontrou uma bolsa jogada no parque infantil. Dentro dela um cravo vermelho e a carteirinha de uma sócia: Sueli Soares. Nunca foi reclamar nos achados e perdidos. Nunca mais foi vista em lugar algum.

 
 
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