TODAS AS TARDES
Sonia Lencione
 
 
- Alô.

- Maria do Carmo?

- Não, aqui é Maria Helena.

- Me desculpe Maria Helena, disquei número errado. Mas não desligue, por favor.

A moça já ia botar o fone no gancho, mas a voz daquele estranho... que voz danada de gostosa!

Ele continuou:

- Sabe, sua voz é parecida com a da Maria do Carmo, só que ainda é mais bonita que a dela.

- Quem é essa Carmo afinal?

- Minha irmã.

- Ahhhh... bom...

- Gostou de saber que ela é minha irmã? Pensou que era minha namorada? Esposa? Pois saiba que sou livre como um passarinho voando.

- E eu um pássaro na gaiola. E fique sabendo que meu dono é bem ciumento!

- Dono, você falou dono?!

- É meu marido, mas quer controlar a minha vida como se eu fosse propriedade sua.

- Puxa! Cruzes! Que homem é esse que maltrata uma mulher bonita como você?

- Quem lhe disse que sou bonita?

- E não é?

- Sou, mas como sabe?

- Adivinhei.

- Ah!

Maria Helena sente que o papo está ficando muito íntimo, precisa desligar. Só que aquela voz a prende.

- Não quer me falar um pouco de você Maria Helena?

- Falar de mim, para um estranho?

- Podemos deixar de ser estranhos, é só você querer...

- Eu lhe digo é que devo desligar de uma vez este telefone.

- Por que deve desligar? Sou eu que estou pagando a ligação!

- Sei disso, mas se o Zé sabe me mata.

- Ele não precisa saber de nada.

Um tremor passa pelo corpo da moça. Só o fato de ficar ouvindo aquela voz do outro lado da linha a pode comprometer?

Lembra-se do marido ciumento, das brigas que costumam ter, por nada.

Ela lhe fora fiel até então!

Foram anos de verdadeiro inferno, de ciúmes infundados, de cobranças, de olhares desconfiados.

Agora aquela voz sensual mexendo com as suas entranhas.

- Maria Helena, continua aí ainda? Responda! Ele não precisa saber de nada. Fica só entre nós dois...

- Vou desligar... esta ligação está ficando perigosa...

- Maria Helena, não desligue! Vou ligar todas as tardes, neste mesmo horário, menos aos domingos, está bem? Responda! Posso ligar todas as tardes para você?

Ela não responde e desajeitadamente coloca o fone sobre o aparelho. Ali sentada no sofá, olhando o aparelho que ela fizera emudecer sem querer, sente que está tendo o melhor orgasmo que já tivera na vida.

E pensar que poderia repeti-lo todas as tardes!

 
 
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