MEIA NOITE
André Koloszwa
 
 
Era uma noite amena de verão. O céu estava limpo, e a lua estava cheia. Já passava da meia-noite, porém eu continuava a caminhar.

Estava numa estrada secundária, sem nenhuma iluminação, excetuando uma ou outra lâmpada das sedes de fazendas que eu podia ver ao longe. A única coisa que ouvia era o som de minhas botas de trekking pisando o cascalho acumulado na beira da estrada. Algumas vezes, esse som era interrompido por carros de pescadores que se dirigiam à represa, ansiosos para aproveitar o final de semana.

Mantinha meu passo apressado, queria chegar logo ao local que eu havia planejado passar a noite. Fiz uma parada rápida para tomar um pouco de água. Abri a mochila, peguei meu cantil. Vazio. Lembrei, porém, de uma pequena vertente que ficava a meio quilômetro de onde eu estava. Bastava cruzar a plantação de milho que estava a minha esquerda. Antes de cruzar a cerca, procurei olhar se realmente estava fora da vista indesejável de algum empregado da fazenda. Como havia acontecido desde que tomei a entrada para aquela estrada vicinal, não existia viv’alma por perto.

A passos largos, fui seguindo através da plantação, cujas folhas arranhavam meu rosto e meus braços. Amaldiçoei-me por ter esquecido a lanterna.

Quanto mais me aproximava da pequena bica d’água, mais aumentava um som que eu começava a ouvir. A princípio, imaginei que fossem pássaros ou ratos (ou qualquer outro maldito animal noturno). Mas depois, os sons tornavam-se mais distintos, e pude perceber uma música. Comecei a ir mais devagar, pois estava já a poucos metros do local, e a música parecia originar-se dali. Agachei-me e fui lentamente me aproximando... quando senti um toque gelado em meu ombro. Um calafrio percorreu minha espinha.

- Que faz aqui? – disse uma voz grave e pastosa.

Olhei para trás e vi um homem pequeno, de barba por fazer e aparentando ter uns 50 anos. Na cintura trazia um azorrague de couro, e com as mãos me apontava uma espingarda calibre 22.

- Vim apenas buscar água - disse eu acentuadamente.

- Não sabia que aqui é propriedade particular? Vem aqui comigo.

Levantei, e ele cutucou meu ombro com a arma, indicando o caminho. Ao sair da plantação, encontrei uma fogueira acesa, tendo um radinho de pilha e uma garrafa de aguardente ao lado. Ao fundo, um cavalo bebia água na fonte onde pretendia abastecer meu cantil.

- Que veio fazer aqui? – perguntou ele novamente.

- Buscar água!

- Diga a verdade, moleque duma figa! Entrou pra robá milho. Agora tu vai vê o que é bom pra tosse...

Ao ir dizendo isso, deixou a espingarda de lado e foi pegando o chicote. Apenas observei e recuei alguns passos. “Meu dia está uma merda mesmo... mais essa agora...”

O homem estalou a longa fita de couro no ar... “Vem aqui, guri! Vem!”. Serpenteou o chicote novamente, desta vez em minha direção. Pulei para trás, mas atingiu-me a perna e o braço.

- Filho duma puta! – exclamei, segurando seu braço quando ele ameaçava me acertar novamente – Só tem que aprender a beber menos antes de se meter a brigar...

- Me larga!

Dei um soco em seu queixo, que quase o derrubou. Aproveitei a oportunidade, tomei o azorrague e passei em volta de seu pescoço. Num golpe rápido, puxei as pontas e apertei. Ele levou as mãos ao pescoço, mas de nada adiantaria... ficou grunhindo por alguns minutos antes de cair e parar de respirar, quando finalmente larguei o chicote. Já estava morto.

Enrolei a corda que amarrava o cavalo em torno de seu pescoço. Pensariam que ele bebeu demais e acabou se matando sozinho. Voltei à fonte, enchi meu cantil. Atravessei o milharal, amaldiçoando-me novamente por não ter trazido uma lanterna.

Peguei a estrada novamente. Um carro passou velozmente por mim, buzinando. Acenei e continuei meu caminho. “O pessoal deve estar me esperando no acampamento”, pensei, enquanto assobiava uma canção.

 
 
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