RELATO DE UM ENCONTRO
Luís Augusto Marcelino
 
 
Está certo, não dá pra mentir. Até porque havia dezenas de testemunhas que me viram sair trôpego do baile. Estava tudo combinado para eu voltar com o Irineu. Mas Irineu era impossível. Um verdadeiro conquistador. Tentou, em vão, ensinar-me suas técnicas de sedução dezenas de vezes. Não era um sujeito bonito, vá lá! Nem era um Dom Juan travestido de caipira. Não sou consultor de moda, mas aquelas botas que o meu primo usava... Seu cavanhaque era uma das coisas mais horrorosas que já vi no rosto de um ser humano. Acontece que não falhava nunca. Era sairmos, ele se aproximar do alvo da conquista, cinco minutos de prosa, e lá estava ele de mãos dadas com a fulana. Rica, pobre, bonita, feia. Também tinha isso: para o Irineu não havia tempo ruim, como diz o ditado. E naquela noite estrelada, mais uma vez, ele se enroscou com uma moça. Uma das mais bonitas da festa. Falaram que era sobrinha do vereador Augusto Soares, um dos manda-chuvas da cidade. De vez em quando sobrava pra mim uma irmã dentuça ou uma amiga fanha, mas não naquela noite. Deixei meu primo, sua recém namorada e a moto no baile e, quando parecia que a Lua estava a três metros da minha cabeça, resolvi picar a mula.

Peguei uma estrada de terra. De barro, mais precisamente, porque de tarde tinha caído uma chuva porreta. Tenho vinte anos. E o ímpeto de um homem dessa idade. E achei que era perfeitamente possível andar uns cinco quilômetros por uma estrada esburacada e cheia de lama, completamente bêbado e com um tênis branco que tinha sido presente da minha mamãezinha. Encostei na primeira árvore que vi. Depois sentei. Em seguida, vomitei. E jurei por Deus que jamais tomaria um gole que fosse de cachaça de alambique. Nem comeria empada porque, como todos sabem, a azeitona da empada faz um tremendo mal para o fígado. Passou um jipe em direção ao meu destino, só que não tive força para gritar ou acenar. Filho da puta - sussurrei. Amaldiçoei a idéia de ir passar o fim de semana prolongado em Varginha. Se estivesse na minha cidade, alguém já teria me assaltado e o susto teria curado minha bebedeira. Pelo menos não teria sujado meu tênis de barro! Merda, odeio barro!

Estava me preparando para a quinta tentativa de me pôr em pé quando ouvi um barulho estranho, vindo de um matagal do outro lado da estrada. Pareceu um animal. Um animal imenso, que berrava, que corria alucinadamente e que parecia assustado. Pensei que fosse uma onça pintada, e sempre morri de medo dos felinos. Até do gato siamês do meu vizinho Júnior. Acho que o trauma com esses bichos surgiu de um filme que assisti quando era bem garoto. Tinha a ver com a localização de uma tumba egípcia que despertou a maldição de um gato preto hostil, que assassinava suas vítimas com suas garras pontiagudas e afiadas. Cruz credo, só podia ser uma onça! O bicho, enfim, rompeu o matagal e passou a três metros de mim, desesperado, ofegante, como se estivesse na estação São Bento do metrô às seis e meia da tarde. Sei que ele não tinha pintas nem orelhas pontiagudas. Para ser sincero, desconfio que era uma cabra. Simplesmente uma cabra. Mas nunca tinha visto uma cabra tão amedrontada como aquela. Ergui-me, enfim.

O susto revigorou parcialmente minha lucidez. Criei coragem, limpei um pouco o barro da bunda e puxei da camisa meu maço de hollywood. Cadê o isqueiro, porra? Juro que olhei direitinho em todos os bolsos. Fiz isso umas três vezes e concluí que o havia perdido. Pensei que, àquela altura, se passasse uma merda de um outro carro pelo menos teria forças para pedir uma carona. Mas nada... Nem carro, nem moto, nem uma mísera carroça puxada a jegue. A noite calorosa de repente trouxe uma brisa refrescante que, aos poucos, foi se transformando numa friagem insuportável, de endurecer os ossos. Em seguida um foco de luz intensa clareou meu corpo, quase me cegando. Simultaneamente, um som agudo, intermitente, tomou conta do ambiente e me fez levar as mãos aos ouvidos. Voltei ao chão. Encolhi-me. Tentei me esconder atrás da árvore. Impossível! A luminosidade tomou conta de um raio de 100 metros. Pensei em correr, mas a impressão que tive é que um portão de neon foi criado ao meu redor, e não adiantaria eu me mover. Não foi um assaltante, mas recuperei plenamente a consciência. Tanto é que, em fração de segundos, pedi perdão a Deus por não ter ido à missa uma vez sequer desde que fui crismado, quando tinha 10 anos de idade. Perdão, Senhor, perdão... - eu repetia.

Os Ets foram implacáveis. Sem mais delongas desceram da nave. Uma nave imensa, triangular, e aí foi que fodeu. Triângulo voador! Agora sim é que ninguém vai acreditar em mim - concluí. Eram imensos, lindos, pareciam modelos da Ford Models, azuis. Porra, ninguém vai acreditar! Azuis? Decidi que trocaria suas cores, caso sobrevivesse e tivesse chances de relatar meu encontro com os extraterrestres. Mas o que queriam comigo? Mamãe sempre disse para eu aprender Inglês, mas nunca dei bola. Eles me paralisaram com um raio esverdeado, e foram logo disparando um monte de perguntas. Em Inglês, suponho. Talvez Alemão, pode até ser. Não paravam de falar, pareciam minha avó Inês. "No compriendo, dont compreendly" - eu arriscava. Os dois líderes - pareciam ser os líderes, porque os outros ficaram pra trás - puseram as mãos na cabeça. Dialogaram, só que pareceu-me chinês, dessa vez. Regularam um botão localizado no peito. Acho que era uma espécie de regulador de línguas terráqueas, porque começaram a falar em Português. Com sotaque gaúcho, mas tudo bem. Já era um avanço.

- Tu vais para a nave, ô guri! - sentenciou o de voz masculina.

- Antes, precisamos saber quem tu és - disse a suposta rainha.

- Ok, ok. No problem, no problem.

Fui projetado para dentro da nave. Foi como se meu corpo tivesse sido desmaterializado e recomposto num outro lugar num piscar de olhos. Fiquei deitado numa maca, preso com alças que pareciam ser de aço. Não sei se foi um delírio ou o resquício da bebida, mas tenho quase certeza que uma das argolas que me prendiam tinha o logotipo da Gerdau. Deve ter sido delírio, só pode. Quem sou? Porra, vocês com toda essa tecnologia e não sabem quem sou eu? Assistiram aquele filme com o Gene Hackman, qual é mesmo o nome? Puta que pariu, sempre esqueço... Câmeras por todo lado, vigiando tudo e todos, uma loucura. Uma espécie de Casa dos Artistas a céu aberto, não viram? O casal continuou confabulando, sem dar a mínima enquanto eu falava. Depois se voltaram para mim. Até que a etezinha tinha uma cintura interessante, mas não deu pra ficar reparando por muito tempo. Perguntaram novamente quem eu era. Expliquei-lhes que era filho do Seu Manel, feirante da Zona Norte de São Paulo. Mas acho que eles não acreditaram.

- Não és tu quem comanda o programa espacial que quer destruir nosso planeta?

- O quê? Cara, eu não comando nem o Rex, que é meu cachorro. O desgraçado faz cocô - vocês sabem o que é cocô, não é verdade? - por todo o quintal. Minha mãe fica fula, corta a mesada, essas coisas...

Voltaram a se reunir. Desta vez abriu-se uma imensa porta e apareceram uns seres da mesma raça que pareciam mais velhos. O casal se pôs a dar explicações para aquilo que parecia um conselho de anciãos, todos muito parecidos, como se fosse um conselho formado por um monte de Ulysses Guimarães. Não entendi nada, porque eles se comunicaram telepaticamente, foi o que me pareceu. O comandante voltou a mim. Olhou-me da cabeça aos pés e elogiou meu tênis. "É da Nike, uma fortuna..."

- Aqui não é Marte?

Senti-me aliviado. Os Ets erraram feio. Acho que a tecnologia de seu planeta era protegida por alguma espécie de reserva de mercado. Programar um míssil para atingir um quartel e destruir um hospital ainda passa. Mas errar de planeta? É isso que chamam de vida inteligente fora da Terra? Faça-me o favor...

- Não, é Varginha. Terra, como o provedor de internet, compreende.

Os mal agradecidos não quiseram mais saber de conversa. Transportaram-me do mesmo jeito para fora da nave. Fui parar em Bagé. Ninguém acreditou na minha estória.

 
 
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