MACHO PRA CACETE!
Beto Muniz

 
 
Apesar da chamada evolução da espécie, eu nunca quis evoluir na postura e fiz questão de manter meu perfil de macho dominante. Mais pra impressionar que para provar alguma coisa. Mulher pode não admitir, mas elas gostam de homem altivo, confiante, com postura de líder de manada. Eu sei que sim, sei que funciona! Minha tese nunca correu risco de ser desacreditada, mas o mesmo já não posso dizer do perfil que adotei, o "macho pra cacete". Minha postura corre sério risco... Dentro de minha própria casa!

Cada um dos meus dez filhos homens me proporciona emoções diversas: alegrias, preocupações, ternura... Amor eu tenho por todos e de todos. Tristeza nenhum me proporcionou até ontem. Digo até ontem porque o dia ainda não acabou e pode ser que hoje um deles me dê alguma tristeza, eu não sei! Mas voltando à emoção: minha única filha tem agora dois anos e foi iniciada nos cuidados de higiene e comportamento pela mãe. Cada evolução no aprendizado é comemorada como uma vitória, fico realmente feliz com as demonstrações com as quais elas fazem questão de presentear-me cada noite, após eu chegar do trabalho. Lógico que participo da educação da menina com minha cota de conhecimento, mas não ativamente como com os garotos. Um tipo de inibição que eu não conseguia classificar me afastava dela nessas horas de intimidade pessoal e higiene. Só classifiquei quando ela começou a usar o peniquinho.

Essa semana, por questão de necessidade fisiológica líquida, me levantei do sofá, onde assistia TV em família (todos empoleirados no mesmo sofá, dormindo), e ela veio atrás. Isso é comum, basta-me entrar no banheiro para ela bater na porta pedindo para entrar. Eu deixo, sempre.

Assim que terminei, a menina me ofereceu um pedaço de papel higiênico:

- Éca pipi papai!

Fiquei mudo olhando para aquela mãozinha estendida e tentando imaginar o que ela queria dizer. Não foi difícil chegar à conclusão de que sua ordem era para que eu secasse o pipi, assim como ela aprendera com a mãe. Relutei, mas para não causar conflito na educação que ela recebia, fiz uso do papel em vez da tradicional chacoalhadinha e voltei para o sofá familiar como se nada houvesse acontecido de diferente.

Nos dias que se passaram, eu procurei não usar o banheiro quando ela estava por perto, porém prestei mais atenção ao papel higiênico. É mais macio. Deve ser coisa da esposa. Zelosa que é, passou a comprar papel mais adequado à sensibilidade infantil da filha. Esse tipo de cuidado só uma mãe poderia pensar. Pai é mais largado, mais desatento aos detalhes... Até porque minha única ocupação com os detalhes foi adestrar os moleques a levantar a tampa do vaso e depois baixar. Quando eu poderia imaginar que uma menina influenciaria até na qualidade do papel higiênico utilizado na minha casa? Estava filosofando sobre essas coisas quando ela bateu na porta. Levantei rapidinho e fingi que estava lavando as mãos. A menina não se deu por vencida e foi conferir o vaso. Junto com a constatação de que ela era mais inteligente que eu, o pai, veio uma bronca:

- Dá decága papai!

- Papai já fez...

- Apéta!

Entendi. Apertei o botão de descarga e fiquei murchinho diante do flagra. Essa menina! É só uma questão de tempo, mas ela ainda vai arrumar confusão comigo... Ou alguém supõe que vou obedecê-la se me ordenar fazer o mesmo que ela e a mãe?

A-B-S-O-L-U-T-A-M-E-N-T-E!

Danem-se os conflitos no aprendizado, mas não vou abdicar da minha tradicional postura de macho líder de manada, está totalmente fora de cogitação! Eu não vou sentar pra fazer xixi!

 
 

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