ACERTO DE CONTAS
Juraci

Peça. Ore. Reze. Saiba que não será atendido. Faça o que quiser. Seus minutos estão contados. Não, não lamente. Nada vai adiantar. Chegada a sua hora. É o meu prazer vê-lo indefeso. Impotente sobre sua prepotência. Tornou-me assim. Onde está o seu prestígio? Nada vale neste momento. Treme. Com medo? Quero-lhe assim. Não subestime a minha capacidade e não faça suposições erradas. Liberar-lhe, nunca. Tenho coragem sim, vai ver. Medroso, não sou como pensou que eu fosse. Esperava esse dia. Planejei uma vida. Você procurou, achou. Avisei-lhe que não explorasse meus segredos. Explorou. Imobilizou-me até a alma. Feriu-me no âmago do meu ser. Na pele de cordeiro enganou a todos, até a mim. Pai nunca foi, maldito falsário. Criou-me com segundas intenções, jogou-me no desconhecido das drogas. Sabia que era soropositivo, dividiu comigo. Feriu-me, explorou-me. A pessoa humana em segundo plano, sem importância. Só a sua. O meu grito não foi ouvido quando por pedaços de terra fui trocado. Chão barato. A vida não tem preço. Você enganou meu velho tio. Que Deus o tenha. O ignorante sempre cai em armadilhas que você planeja. Ah, como pai e mãe fazem falta. Não permitiriam o início dessa situação vergonhosa. Maldito barraco soterrado. Naquele dia a vacina me salvou, não sei pra quê. Foi pior ter ficado vivo. Mas, isso não vem ao caso agora. Não vou ceder, muito menos, fraquejar. Fica com as sombras escuras da minha infância e a dor da minha desonra. Nas curvas perigosas, não me deixava vencê-las. Queria-me por baixo à mercê da sua glória. Quanto mais brilhava, procurava empalidecer a minha paisagem, empurrando-me para a escuridão cósmica, reduzindo-me ao pó da estrada. Cortava o meu caminho como navalha.

Agora, corto fora os seus prazeres, o seu vigor, a sua virilidade. Sim, a sua virilidade. Amasso em minhas mão os seus testículos sem vida, decepados. Mesmo assim, dançam escorregando no líquido vermelho ou entre os meus dedos. Cheiro acre. Nojento. Também serão pó com o som dos seus gritos estridentes. Não adianta, ninguém os escutará. Só a mata reproduzirá seu eco de dor. Nessa sua mão estendida em súplica estende também a alma pesada, culpada.

Seu olhar opaco cai junto com o rosto na terra arenosa. O antigo brilho dá lugar ao medo, ao pavor do abismo da sua fragilidade.

As minhas feridas não cicatrizarão, as suas também não. Estamos quites.

Deixo-lhe vivo porém morto. Igual a mim.

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