TEMA DE LARA
Luciano Cesar Cunha

Quando fechei a porta do meu quarto, queria deixar do lado de fora o barulho do complexo cotidiano. Televisão, computador, contas, cartões de crédito, problemas, problemas... “Onde estariam os momentos de esplendor, os dias lindos, onde estariam?”

Where are the beautiful days?
Where are the tender moments of splendor?
Where have they gone?”

Quando corri pro canto em direção à cômoda, queria achar uma máscara preta, daquelas feitas pra gente dormir, os tampões de ouvido eu já tinha comigo. Queria desligar tudo, desligar-me de tudo, deitar na cama com os olhos vendados e ouvidos tapados e tentar viver por alguns momentos longe das coisas complicadas do dia-a-dia. Abri a última gaveta, aquela onde guardava um monte de quinquilharias, coisas que já bem podiam ter ido pro lixo, mas que nunca foram, coisas a que tinha me apegado, coisas que pensei um dia ainda poderiam ser úteis. Corri os olhos por cima e desejei por um segundo que no passado tivesse tido a coragem de me desfazer daquilo tudo. 

Havia uma caixinha no canto, bem no fundo, que parou meus olhos. Não lembrava mais o que era, o que era aquela coisinha? Abri e tirei de dentro um pianinho que na verdade era uma caixinha de música. Pertenceu à minha mãe muitos anos antes, não sei como foi parar ali, ou sei. Ao leve toque, a bailarina de pé em cima do pianinho deu um passinho e uma nota soou. Sapatinhos vitorianos, sainha de filó, florezinhas no cabelo, pink e azul era a bailarina. Dei corda e “em algum lugar, meu amor...”, tocou a musiquinha. Já me sentia totalmente envolvido, atraído irresistivelmente, tentado a saltar pra cima daquele piano, me embalar naquelas notas, dançar com ela. E já estava eu ali, vestido em traje de gala, diante dela, a bailarina, minha companhia, “me dá a honra dessa dança?” e “em algum lugar, meu amor, até você ser minha outra vez...”

“Somewhere, my love...
Until you are mine again.”

Nota após nota, dançamos um com o outro, um pro outro, quão suave e simpáticos foram aqueles momentos. Tudo o mais no mundo de repente me pareceu tão insignificante. Queria ficar ali pra sempre, encantado por aquela melodia. E percebi quão lindas e ricas as coisas simples podem ser. Tão singelas e tão ricas, as coisas simples, quase jogadas fora, são esquecidas no fundo de uma gaveta, ressurgem meio que por acidente, e então redescobrimos a sua beleza. “Algum dia a gente se encontra de novo, algum dia, quando a primavera chegar...” Agora queria que a minha moderna cômoda de fórmica branca virasse uma velha penteadeira de madeira maciça, daquelas com espelho no fundo. Colocaria de volta a caixinha de música na penteadeira, bem no meio, e um porta-jóias e uma garrafinha de perfume só pra combinar.

“Someday we’ll meet again, my love,
Someday whenever the spring breaks through.”

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