SIGNO DE CÂNCER
Luís Valise

 
 

- Mas, com uma condição: não te direi nada mais que meu primeiro nome. Nem nunca tente descobrir nada além disso. Endereço, sobrenome, nada. É errado o que estamos fazendo, eu assumo, continuaremos a faze-lo, eu aceito. Mas você tem que me prometer que jamais saberá outra coisa além disso: - Dorotéia. Capricórnio.

- Eu prometo. Alcebíades. Áries.

Era uma coisa muito louca. Ambos trabalhavam no mesmo prédio, no centro da cidade. Às vezes, encontravam-se pela manhã, na chegada ao trabalho. Subiam juntos no elevador, mudos, o calor da proximidade. Na maior parte das vezes viam-se nas lanchonetes e restaurantes populares das vizinhanças. Olhares furtivos. Sorrisos em outras direções. Nada direto, explícito.

Até que ele criou coragem: - Bom-dia. O elevador subiu mais rápido que de costume. A hora do almoço não chegava nunca. À tardinha, ele parado na saída do prédio. O olho mais firme, a voz de cio: - Até amanhã.

A primeira vez foi numa quarta-feira. O hotelzinho nas proximidades não era lá essas coisas. Três andares, sem elevador nem muitas perguntas. O quarto acanhado. Sentada na beira da cama, aquela única exigência: nada mais que Dorotéia. E o signo.

As primeiras vezes nem foram lá essas coisas, ansiedade atropelando tudo. Depois foi ficando melhor. Muito melhor. E sempre às quartas-feiras. Um dia sem almoço não mata ninguém. O coração alimentado. Os sábados passaram a ser o dia mais chato da semana. As férias prorrogadas ao máximo. O desejo supremo irrealizado: uma noite inteira. Teve uma vez em que ele quebrou a promessa. Ela no chuveiro, a ducha rápida. Sobre o criado-mudo, a aliança. Ele pegou e leu, gravado no interior, o nome do marido. Depois foi o beijo na boca, o gozo, o nome entre os dois.

O primeiro susto: - Hoje eu não posso. Na outra quarta o fogo dobrado. Mais algumas semanas e novo impedimento: - Não me pergunte por quê. Ele não perguntava. Ia ficando mais triste. E todas as quartas-feiras, esperava, na porta do prédio. De repente, nem pelas manhãs. Nem nunca mais. Ficaram as lembranças e o nome gravado.

* * *

Caminhando lentamente, os passos que a idade permite, a senhora cumpre o pedido da filha caçula, e deposita em seu túmulo um maço de rosas. Sempre às quartas-feiras.

 
 

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