O VÍCIO DO JOGO
Ana Carolina Boccardo Alves

Quando eu era adolescente, existia um jogo de cartas em que a gente brincava pra saber se ia ficar junto do carinha de quem estivesse a fim. Não me lembro mais de como se joga, mas me recordo que os personagens principais eram a Dama e o Rei do baralho. Eles eram, respectivamente, você e o ser amado, e, conforme iam se eliminando as cartas, você ficava mais pertinho dele. Tudo finalmente seria perfeito se todas as outras cartas fossem eliminadas no final e só sobrassem vocês dois.

Durante toda a minha vida (até agora) passei jogando o joguinho das cartas, esperando que sobrassem só eu e o Rei.

Às vezes, sobravam cartas demais ao redor. Problemas da vida diária, correrias, minhas ou do Rei, nos deixavam muito distantes.

Às vezes, era uma outra Dama ou um outro Rei que apareciam e acabavam mudando o cenário das cartas.

Às vezes, repetia o jogo diversas vezes, fazendo com que a monotonia acabasse com a graça da brincadeira.

Às vezes, não sobravam tantas cartas assim entre a Dama e o Rei mas eu (sempre impaciente) não era capaz de tentar superar os problemas.

Às vezes, às vezes sim, dava tudo certo... só a Dama e o Rei...

Mas aí, dali a um tempo, eu já jogava de novo, interessada em outro naipe de Rei...

E, quanto mais a gente joga, mais o baralho vai ficando marcado... as cartas vão ficando manjadas e o jogo perde a graça, tudo parece muito igual. Aí está o perigo e devemos tomar muito, muito cuidado: não podemos deixar nunca que a busca do Rei deixe de ser uma descoberta nova a cada dia. Mesmo que já o tenhamos encontrado, é bom sempre manter o costume do carteado todos os dias, pra não perder o costume.

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