O HOMEM DA COCADA PRETA
Bruno Freitas

Jurandir trepou no coqueiro verde, e quando atingiu o topo, firmou-se nas folhas do centro e arrancou um a um, os cocos que jaziam pendurados. Desceu em três leves saltos, que o trouxeram rapidamente pra baixo. Na descida todo santo ajuda, pensava Jurandir, que repetia a mesma cena durante toda tarde. Ao voltar pra casa à noite, Jurandir passou no mercado e comprou um punhado de cravo mais um quilo de açúcar. Pendurou a conta nos cadernos do Mané Joaquim. Seguiu pro barraco, onde todas as noites, tachava a melhor cocada preta que era vendida de manhã bem cedinho. Tachou a cocada, e saiu pra ter com Rosinha.

Rosinha saiu a tardinha pra ir na casa da tia Maria, onde ensinava matemática para o primo mais novo, e nem tão novo assim. Rosinha despiu-se vagarosamente, enquanto seu primo prendia a respiração e fitava atônito seus seios rosados. Rosinha sentia enorme prazer em ver a ereção adolescente do priminho. Saiu feliz e ansiosa da casa da tia, e recusou até mesmo o chazinho da tarde com biscoitos e todas outras guloseimas que não mais a apeteciam. Chegou cedo na pracinha, e ficou passeando, namorando ao longe todos meninos de sua idade, que como ela há muito tempo não interessavam-se mais por outros brinquedos, que não os jogos de amor. Sentou-se num pequeno banco de madeira e cruzando as recém pernas de mulher. Rosinha foi uma infanta sorridente, e havia passado muito tempo desde que manchará o primeiro lençol com seu sangue.

O menino olhou pro relógio ansioso, contando as horas, esperando a prima chegar pra lição de matemática. A prima já era reincidente na arte de atrasar-se para lições. Não que ele se importasse com as lições, e sempre achará que não passavam de disfarces de sua mãe em certificar-se que ele não fosse nenhum afeminado. Ele sabia suficiente de matemática, mas sua mãe teimava e dizia, que a prima Rosinha viria todo dia pra ensinar-lhe os cálculos que já sabia. A diversão da prima havia mudado, ele já sabia. Se antes Rosinha tratara-o como uma boneca, lambuzando-lhe a face, e emperequetando-o com badulaques e penduricalhos, agora usava-o de laboratório em suas conquistas amorosas. Mas ele nunca se importara, Rosinha tinha atributos que a faziam a menina dos olhos de todos que a viam. Rosinha chegou, dizendo que andava muito ocupada, ele prestou atenção no decote de Rosinha durante toda a lição, tocando uma punheta por debaixo da mesa. Seguiu Rosinha até a pracinha, admirando-a a distância, recolhendo material pro resto da semana. Queria ver as caras e bocas, os beijos e amassos, do escurinho da pracinha.

Maria orgulhava-se da sobrinha, e sabia que despertaria no filho os desejos normais de sua idade. Achava o menino afeminado, e sentia culpa por sua exaustiva proteção ao menino. Trava-o como fosse de vidro, poupando o menino de todas as agruras da vida. Selecionava seus amigos com os dedos, e não foi à toa que havia escolhido Rosinha pra tutelar sua cria. Maria abriu a porta da rua, saudando Rosinha, feliz com sua presença. Deixou que ela entrasse direto pro quarto do filho. Observou Rosinha subindo a escada, e admirou-se pela escolha sensata pela professora. No fundo queria que Rosinha ensinasse os caminhos ao filho, que o tomasse pelos braços, tirando-lhe o semblante inocente daquela adolescência. Esperou Rosinha descer pra perguntar-lhe sobre o menino, e ofereceu-lhe um chazinho com biscoitos. Tem torta e pão doce, assegurou-lhe. Rosinha recusou e saiu apressada, dizendo que tinha outra lição.

Jurandir passou antes no Mané Joaquim, tomou a segunda caninha do dia, e conversou sobre os feitos do dia. Falou da cocada preta, declarando que era um negócio da china. Gastava-se o mínimo no tacho, e só comprava cravo e açúcar. Os cocos, ele sabia onde buscar, e eram de graça... Que maravilha! Entornou mais uma caninha, queria ter o que falar com Rosinha. Desde que largara a escola, não via Rosinha, e lembrava-se de uma menina sorridente, e sapeca, que demorou pra lembrar-se dela ao encontra-la na pracinha, toda perfumada, com um vestidinho curto e cabelos pretos cacheados ao vento. Jurandir podia jurar que jamais encontrara formosura maior que Rosinha, que enamorou-se por ela de início. Jurandir fez uma parada rápida no penhor e trocou seu anel por um lindo par de brincos verdes e brilhantes.

Rosinha sentiu um frio na espinha quando cruzou seu olhar com João, e percebeu que ele também olhava pra ela. Rosinha sempre gostara de João, e desde a quinta série, sentia uma certa atração pelo menino travesso e implicante que ele sempre fora. João sorriu, e Rosinha derreteu. Hoje em dia, os dois implicavam-se mutuamente noutros jogos de brincar. Rosinha viu João levantar-se e caminhar em sua direção. Olhou para suas pernas, quadril e tronco, reparou em seu andar. João chegou perto, e sorriu olhando os olhos de Rosinha, que corou de vergonha. Sorriu também. Olhou-o nos olhos castanhos, reparou nas madeixas negras ao vento, deliciou-se com os lábios rachados de sol. Fechou os olhos, e sentiu o frescor de seu hálito, e a maciez da boca contra sua boca, e sorveu-lhe toda a língua, até engasgar-se em sua boca.

O menino vistoriava de longe as aventuras de Rosinha, queria juntar elementos para sua própria conquista imaginária, onde se esvaíam seus fluídos. Olhava de longe as mãos escondidas por debaixo da blusa, os chupões no pescoço que pareciam desentupir todas as artérias, e as lambidelas na orelha que arrepiavam todos os fios de cabelo do corpo. Sonhava acordado com as aventuras de Rosinha, e torcia pros anos passarem depressa, dando tempo a seus pêlos crescerem. Rosinha era o enredo favorito de suas punhetas, que buscava-a nos sonhos criativos de uma criança sonhadora. O que mais o atormentava, era a dúvida de nascerem cabelos nas mãos, como diziam as velhas senhoras, que as vezes não sentia tanta urgência de ver seus pêlos crescerem.

Maria não deu falta do filho, continuou na cozinha, retirando os últimos biscoitos do forno. Cortou cebola, tomate, destrinchou a galinha, e botou tudo na panela do arroz, que já estava cozido numa hora dessa. Abaixou o fogo, e foi ver o avanço do filho em direção da maturidade matemática. Subiu as escadas, e abriu a porta do quarto. Ali não estava, então bateu no banheiro, onde sabia ser o lugar favorito do pobre menino de intestino frágil. Ninguém respondeu no banheiro. Maria desesperou-se com a falta do filho, que saiu direto a pracinha. Deixou no fogão o arroz com galinha que alimentaria seu marido e sua cria. A porta aberta e escancarada pra que todos entrassem e servissem-se do famoso arroz com galinha da Dona Maria.

Jurandir despediu-se do Mané apressado, e saiu pra ver Rosinha. Chegou na pracinha afobado pra encontrar sua amada, mas não viu Rosinha. Sentou-se na pracinha e esperou até mais tarde, observando as jovens meninas ouriçadas pela descoberta amorosa, que também afetava os meninos, que circulavam em bandos, fazendo algazarra e mostrando-se viris pras futuras pretendentes. Uma criança sozinha diferenciava-se das outras que corriam e brincavam pela pracinha. Era um menino de óculos redondos e postura afeminada. Era apenas mais uma das crianças que aguardavam apenas o puxão de orelha das mães, que os levassem pra casa.

Rosinha parecia feliz pelo encontro amoroso com João, que exalava o cheiro forte do amor pelas suas axilas. Transpirava paixão e aventura, que se entregaria a ele naquele mesmo momento. Sentiu uma firme decisão ecoar em pensamentos, dizendo-lhe que seria hoje o dia. Hoje seria mulher, pois, já havia escolhido o pretendido. Passara todos os dias de sua mocidade, procurando aquele de desfloraria sua timidez e a transformaria em mulher. Por um breve momento lembrou-se de Jurandir, e como era patética em ter achado que ele seria o homem de sua vida. A verdade era, que não podia ver aquele homem forte e másculo, escondido no corpo adulto de quem poderia até ser seu pai. Torceu para não encontra-lo ali, de beijos e abraços com outro. Sentia pena do coitado que achara que seriam felizes para sempre. Sentia medo de causar mal a alguém, e ressentia-se pelo fato de não se importar com o indivíduo.

O menino escondeu-se atrás dos arbustos, circundando a praça, até prostrar-se atrás do banco de Rosinha, onde escutava todas as carícias públicas do casal recém enamorado. Acariciou seu membro sexual, e sentiu uma forte protuberância crescendo em seu calção. Sentiu os olhos fecharem e a visão se escurecer, de tanto prazer. Ouvia a respiração do casal com tanta atenção que se esquecia de sua própria. Ficou deitado até mais tardinha que adormeceu sob as estrelas, sonhando com a formosura da prima.

Maria chegou na pracinha e viu várias crianças, algumas mais altas que as outras, algumas iam pra casa com as mães, enquanto outras brincavam de pique-esconde no escuro, tão agarradinhas que podia jurar que fossem um pessoa só. Maria não conseguia encontrar seu menino, e abordava qualquer um na praça, questionando seu paradeiro. Ninguém o conhecia, e parecia não ter sido visto por boas horas. Deve ter voltado pra casa, pois não o vejo faz horas, disse-lhe um negro bem arrumado, mas que não podia tirar-lhe a impressão de sujeira. O senhor negro ofereceu-lhe ajuda, e ela sentiu-se desconcertada por aquele homenzarrão. Sentiu medo da imponência de sua voz, de suas mãos majestosas, e sua respiração assombrosa. Queria distância daquele homem repugnante.

Jurandir continuava esperando Rosinha que parecia não vir nunca mais. Observou uma bela senhora que procurava o filho e riu de sua inocência incomodando os jovens namorados, até que viu Rosinha agarrada a algum menino com o rosto ainda sujo de leite. Corou de raiva, por ter se deixado levar por uma menina que não queria compromisso algum. Sentia-se usado e com uma vergonha por existir. A bela senhora abordou-lhe, querendo saber o paradeiro do filho, um garoto franzino de óculos, muito bem asseado. Sabia quem era o menino, e bem asseado queria dizer afeminado, mas não se importava com as pequenas diferenças. Ofereceu ajuda na busca à criança desaparecida, mas a bela senhora mostrou-se arredia, retraindo-se apavorada com sua presença. Ofereceu-lhe o lindo par de brincos verdes e brilhantes, ela aceitou, e reclinou envergonhada. Jurandir sorriu um riso sem graça e iniciou seu caminho de volta pra casa.

Rosinha sentiu-se forte e corajosa, que aceitou as carícias ousadas de João, que parecia querer arrancar-lhe a blusa com os pequenos sutiãs que acomodavam seus seios rosados. Não tardou para que os dois fossem em direção aos matos mais afastados e jogassem até o final os jogos de amores da adolescência. Acariciavam-se como principiantes, tateando-se no escuro. Os abraços eram nós apertados de mãos escondidas, abobadas, e perplexas pela nova descoberta. Eram tantos jogos de amor de gente adulta, que perderam-se nas preliminares, sem saber o que fazer. Despertaram do transe, quando viram longas labaredas, de chamas que não eram de seu amor amador.

O menino acordou tarde da noite, e notou que havia ficado sozinho na praça. Nenhuma alma viva em lugar algum, e ele pensou que teria muito o que explicar ao pai e a mãe, que correu pra casa o mais depressa que pode. Chegou em casa sem fôlego e sem ar, e viu todos os vizinhos na rua. Olhou abobado pra casa, e viu-a em chamas, com labaredas de fogo que elevavam aos céus, cortinas densas de fumaça escura e preta. Seu pai pegou-o nos braços, aliviando-se por sua salvação. Rosinha sorria sem graça pra ele, ao lado do desgraçado do novo namorado, que trazia um sorriso bobo nos lábios, e um olhar vazio e sem direção. O pai certificou-se de que o filho estivesse inteiro, e limitou-se a agradecer aos céus por sua aparição.

Maria seguia de volta pra casa, cabisbaixa acompanhada pelos passos largos do homem negro de quem ganhara um lindo par de brincos verdes e brilhantes. Ela não conseguia evitar de imaginar aquele homem forte e musculoso, que lhe era um gigante agonizante. Quase não percebeu o incêndio que o fogão acesso, do arroz com galinha mais famoso da vizinhança. Estava absorta em pensamentos imundos sobre o homem que agonizava sua mente. Ele notou sua distração, que alarmou-a do fato de ter sua casa em chamas. Maria não ouviu, e seguiu distraída por entre a fumaça e labaredas de fogo, que saíam do fogão. Sua alma estava em chamas, que sentiu um forte puxão contra o corpo. Sentiu os braços fortes daquele homem repugnante, que inundava sua cabeça de pensamentos mundanos. Maria não pode suportar a chama de seu corpo, e ele por sua vez, não pode ignorar o corpo daquela bela senhora que ardia em chamas e labaredas do fogão que trazia o maravilhoso arroz com galinha da Dona Maria.

Queimou-se de tanto amor, junto ao rei da cocada preta, e assim como o famoso arroz com galinha de Dona Maria, deixou saudades e lembranças na boca de todo o povo.

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