NÃO SEI QUÊ... NÃO SEI QUE LÁ
Fábio Luiz

O plano era simples. Como o jogo era muito importante e não era sempre que o "Unidos da Rua XV" chegava a final do campeonato de futebol de salão, era necessária uma atitude drástica. Ainda mais com o arqui-rival "Amigos do Bar do Zé" como adversário. O horário era o problema. O dono da quadra havia alugado o local para uma festa beneficente e o único horário seria na tarde daquele dia. O que fazer? Faltar ao trabalho após o almoço.

Chegou bem cedo pra não levantar suspeita. Principalmente da esposa que odiava futebol. O telefone tocou. Era o goleiro do time avisando que, caso faltasse à final, sendo o principal artilheiro, isso acarretaria alguns problemas de ordem permanente nas suas pernas.

Acalmou seu amigo pois tudo estava sob controle. Previamente havia "esquecido" uma pasta com alguns documentos no carro de seu colega de trabalho que iria viajar, assim seria necessário ir até a sua casa para resgatá-los e, devido à distância, teria tempo suficiente para estar com o time e sagrar-se campeão, comemorar e comparecer na segunda-feira feliz da vida.

Já colocava a faixa em pensamento quando viu o chefe com uma pasta muito parecida com a "esquecida" em suas mãos. Seu colega havia percebido e, sendo companheiro exemplar, saiu mais cedo de casa para ter tempo de entregá-la no trabalho, antes da viagem, para que nenhum problema surgisse.

"Dutra deixou isso na portaria para você e pediu desculpas!" - Exclamou inocentemente.

A índole da mãe de Dutra veio como um raio em seus pensamentos, desaparecendo logo em seguida como sua cor. Ficou pálido e com um olhar perdido.

"Que isso? Está doente, homem?" - Perguntou o chefe. Nova idéia saltou de sua boca antes mesmo que pudesse contê-la:

"Oh!... Começou de manhã... Não sei quê... Não sei que lá... Uma dor na cabeça e no corpo. Comecei a ver coisas... Um delírio sem razão. Mas não quis faltar logo numa sexta-feira!!" - Suava agora mais de desespero de causa ao lembrar que o goleiro era lutador de Jiu-Jitsu e costumava cumprir suas promessas. Um ser honrado, diríamos.

"Seu" Arruda, hipocondríaco de primeira, já imaginava uma epidemia se alastrando pela empresa. Ainda mais quando dona Laura lembrou que o vizinho da prima da sua tia começou com o mesmo "jeito" e acabou no hospital. O sorriso em seu rosto foi contido num esforço que o fez suar mais um pouco. A ordem foi dada para chamar um carro para levá-lo a um médico da empresa. Alguns já diziam que dias atrás notavam algo de estranho e deveria ser algo grave, "stress" no mínimo.

Gargalhava em seu íntimo enquanto discutiam o que fazer com o "pobre coitado". Agora tudo daria certo. Iria ao médico, fingiria um mal-estar, conseguiria um atestado para a tarde e pronto.

"Não podemos deixá-lo ir sozinho assim!" - Parecia, agora, ver os sorrisos nos rostos das desejadas gêmeas, Lili e Lalá, modelos de praia, ao vê-lo marcar o gol da vitória.

"EU mesmo o levarei!!" - Os outros teriam inveja de vê-lo tão bem acompanhado no "Forró da Dona Ema"... Mas espere um pouco. O que estavam dizendo?

"Não é necessário, Doutor Arruda! Eu posso ir sozinho!!!" - Exclamou pensando em sair correndo.

"Nada disso! Onde já se viu? Nesse estado?? Vamos... Meu carro está lá fora mesmo!" - Pegou-o pelo braço e sentindo-se como um preso em flagrante deixou-se conduzir.

Do consultório ao hospital foi um pulo. A cada pergunta feita era um sintoma a mais inventado. Doutor Arruda não desgrudou um segundo de seu fiel trabalhador. Avisou a família e amigos mais próximos.

À noite, no hospital, antes de sua cirurgia nos rins, Jorge "Quebra-Tudo", o goleiro, vai visitá-lo antes do "forró" a que iria com as gêmeas. O time era campeão devido à ausência de participantes no time adversário após uma "blitz" da polícia no bar onde se concentravam psicologicamente antes do jogo.

"O que houve, rapaz?? Quando você não apareceu já ia preparando os socos... Você sabe que não admito covardia!!! Liguei atrás de você e me disseram que estava aqui... Senti até arrependimento de pensar que faltaria ao jogo!!! Estava tão bem de manhã ao telefone. O que você sentiu?" - perguntava Jorge.

Olhando para os dois metros de assassino à sua frente e para sua mulher que o fitava antes desconfiada e agora com certeza de sua mentira, disse numa voz sumida e com um olhar de peixe-morto:

"Oh!... Começou de manhã... Não sei quê... Não sei que lá... uma dor na cabeça e..."

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