HISTÓRIA TRISTE
Marco Aurélio Brasil Lima

Existem coisas para as quais não existem palavras. A visão da menina de cabelos castanhos ondulados e compridos, olhos oceânicos sombreados por cílios enoooooormes, seis pulseiras no braço esquerdo, cinco no direito, vestido e tamanquinho, andando pela calçada. Ah, sim, essa era uma daquelas coisas. Você sabe, para as quais não existem palavras.

O garoto olha e dói.

Porque sente no peito uma lacuna, de formato impreciso, que o faz olhar com pasmo um céu muito estrelado, que o faz calar ante o pôr-do-sol no alto da colina do sítio do avô, que lhe dá uma quase-tristeza na ponta da praia da Lagoinha, de manhãzinha. E num repente uma menina, olhos oceânicos, cabelos, boca, andar sacolejante, tudo e o cloc cloc do tamanquinho na calçada, vem e transborda o que era vácuo, aquele ali, no peito, o menino limpa a garganta e molha os lábios. Tudo junto, ao mesmo tempo: o pasmo, o silêncio, a quase-tristeza e palpitações, engasgos, coisas que varam, que vazam e trespassam e ele tem só quatorze, coitado.

O que significa a menina e toda aquela sua descomunal envergadura, física e etérea, toda, no peito do garoto?

Acontece que ela está chegando muito perto e não dá tempo de responder a qualquer pergunta conceitual, a verdade é que alguma coisa há, ali, que exige ação. Qual?

Ele pula na frente dela e torpedeia:

- Escuta, eu tenho uma coisa muito, MUITO importante para te dizer, mas não sei quê.

A menina alça as sobrancelhas e continua andando. Mais à frente, outro garoto cola do lado dela, enlaça com os braços e dá-lhe um beijo precoce, desses de novela, consentidos, correspondidos.

MORAL DA HISTÓRIA: Mais valem certos gestos que mil não-palavras.

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