CORNETA
Diego Cuenca Gigena

Não sei quem ele é, nem sei o que ele faz, mas quando menos espero, ele aparece. Vem devagar, empurrando sua bicicleta, com cuidado para na frente do prédio, apóia a bicicleta com no muro, e tira, com mais cuidado ainda, de uma caixa de madeira na garupa da velha bicicleta uma corneta. Isso mesmo, uma corneta, linda, lustrosa, brilhante.

Talvez este instrumento tenha um nome mais técnico, mas não sei diferenciar um violino de um violoncelo, não iria diferenciar uma corneta de outro instrumento de sopro, a não ser de uma tuba, dado as proporções.

Se prepara com calma, se concentra, põe a corneta na boca como se fosse verificar a afinação antes de um grande concerto. Assopra uma única nota, que na verdade é um aviso para que todos saibam que ele esta ai. Todos nas janelas e nas sacadas se assomam. Até as crianças param com as suas brincadeiras, e esperam em silêncio. Nosso amigo corneteiro, então, toma fôlego e começa, calmo, melódico, gostoso e toca. Toca músicas que todos conhecemos, que cantamos, mas toca com seu próprio tempero, enchendo o ar, os apartamentos, o som toma conta do bairro, o mundo para.

Todos se deleitam com as músicas, com o pequeno concerto, esperamos que nunca acabe, que ele continue tocando para sempre. Mas ai chega "Parabéns Para Você", que especialmente as crianças, que neste momento parecem anjos, adoram. Sabemos que ele esta terminando. Mesmo sem conseguir ver a cara das pessoas na janela da frente, fica claro que todos começam a se ressentir com a expectativa da sua partida...

Finalmente ele termina, limpa sua corneta, abre sua caixinha enquanto todos aplaudem, ele guarda sua corneta na velha bicicleta e vai embora, sem olhar para sua platéia quem ainda o aplaude. Voltamos todos, com um sorriso, para nossos afazeres, contentes pela boa ação do nosso corneteiro e dormimos mais placidamente na esperança do seu retorno no dia seguinte.

Não sei quem ele é, se é um anjo, ou um corneteiro de alguma orquestra, mas parafraseando um cartunista, fico pensando, "ah se eu pudesse criar um pouco de surrealismo para tornar a vida das pessoas mais interessante". 

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