DESCRENÇA
Mariazinha Cremasco

Hoje fui a uma missa de sétimo dia. Fazia muito tempo que não ia. Aliás fazia muito tempo que não entrava em uma igreja. Lembrei dos tempos em que eu tinha fé. Engraçado, não consegui prestar atenção. Fiquei apenas observando as pessoas. Senti vergonha dos pensamentos que tive a respeito de cada um que olhava. Olhos baixos, tentei acompanhar o folheto. Li junto, mas estava totalmente absorta. Meu olhar percorria toda a igreja. Senti um certo desespero, tentei por várias vezes me concentrar no culto. Mas foi impossível. De vez em quando caía em mim, mas até isso era esquisito, pois o que me fazia voltar à realidade eram sempre palavras relacionadas à fé. Numa das vezes o padre dizia algo como "solidificação da fé". Pensei no quanto eu perdi a minha. Meu irmão, a meu lado, chorava. Imaginei o motivo do choro. Ele era muito amigo do morto. Mas estaria ele chorando pela perda? Ou estaria chorando por si mesmo? Por medo da morte, ou por medo da vida? Nem meu irmão escapou das minhas viagens. 

Uma moça a meu lado cantava e orava fervorosamente. Quantas pessoas ali naquela igreja não estariam interessadas apenas em comprar seu passaporte para o céu? Quantas pessoas ali pensando que, cumprindo o que julgam uma obrigação, estarão salvas? Quantas, meu Deus? Ou quantas estariam ali pela dor? Certamente muito poucas estariam pelo amor. Olhei os jovens no altar. Cantavam e tocavam seus instrumentos. Não consegui ver fé ou religião neles. Um garotão bonito com a guitarra e outro, tão bonito quanto, ao microfone. O que passaria na cabeça deles? Estariam se sentindo num palco, cantando e tocando rock, imaginando-se admirados e, quem sabe, talvez, dando autógrafos na saída? Confesso que essa visão me fez rir. E as velhinhas? Estariam elas preocupadas com o juízo final? Senti o quanto fui maldosa com as velhinhas rezadeiras. Não quero falar mal das beatas carolas. Beata carola é pleonasmo? 

Havia dois rapazes, um de cada lado do padre. Deveriam ser seminaristas, pois ambos tinham caras de nerds. Perdoem o preconceito, mas não dá para segurar. Sei que as pessoas têm vocação. Mas dá pra admitir jovenzinhos de dezenove, vinte anos, fazendo voto de castidade? Longe de mim questionar a igreja católica, mas impossível não pensar nessas coisas de renovação e modernização. 

Estou sendo injusta. As missas mudaram, renovaram, modernizaram. Estão mais dinâmicas, mais agradáveis. Há alguns anos não havia homilia nem cânticos nas missas de defuntos. Hoje elas são alegres. Mas tenho que falar sobre o ofertório. Continuam passando a cestinha para a coleta de donativos. Igual faziam vinte, trinta anos atrás. Não. a igreja católica definitivamente não é para mim. Aliás, qual seria a minha igreja? Não tenho. Perdi a fé. Sei que isso não é bom, mas perdi. Meus filhos também não têm fé nem religião. Sempre achei importante a religião numa família, mas aqui em casa foi ao contrário. Eu era religiosa, eu tinha fé. Fui perdendo aos poucos. Acho que meus filhos, na descrença deles (que eu não induzi) fizeram com que eu me afastasse da igreja.

Também na hora do ofertório uma palavra me chamou a atenção: "O Senhor preparou um banquete / ó faminto de amor acorrei / O cordeiro já foi imolado / vinde, tomai e comei". Não deu. Pensei nos muçulmanos da novela das oito dizendo: "vocês me sacrificam como se eu fosse um cordeiro" e ri. Imolar. Que palavrinha.

Mas para que vocês não me achem totalmente insensível, devo dizer que quando cantaram a "paz" fiquei verdadeiramente tocada. "Quero te dar a paz do meu Senhor, com muito amor". A paz. A paz tão sonhada. A paz tão almejada por mim e por todos. A paz. Será? Eu quero a paz que você tem para me dar.

Ah, se eu pudesse ter a paz. Ah, se eu pudesse ter minha fé de volta. 

Eu era mais feliz quando acreditava.

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