UM TIPO INESQUECÍVEL
Luisa Jardim

"Erra uma vez um lindo princesa..."

Com três netos sentados no chão e o menorzinho no colo, era assim que vovó Hannah começava a maioria de suas histórias.

"O princesa não tinha mãe, nem um vovó como vocês, erra uma órfão".

"Vovó, princesa é feminino, não pode ser o princesa, tem que ser a princesa", tentava explicar Renato, o mais velho dos primos. Mas ela nem se importava e continuava sua história, carregando nos erres e misturando o feminino e o masculino, o que, por incrível que pareça, dava um sabor especial às histórias. 

Ela não era realmente minha avó, era avó dos meus primos, mas eu me integrava ao grupo como mais uma netinha que adorava histórias de fadas. Mesmo depois de quase cinqüenta anos morando no Brasil, vovó Hannah ainda conservava o forte sotaque germânico, pois nunca se preocupou em aprender direito o português - mais tarde acabamos por entender que, no fundo da alma, havia sempre a esperança de voltar para sua pátria, o que não aconteceu. Ela morreu aqui há dois anos.

"Não é erra, vovó, é eeeraaaa" - interrompíamos para tentar fazê-la compreender, mas não adiantava. Talvez inconscientemente, ela queria deixar clara a sua ascendência, o seu orgulho de valquíria (isso eu penso hoje, naquele tempo só achava engraçado e ficava imaginando a princesa, vestida como a Cinderela e com enormes bigodes pretos).

Aliás, quando contava a história da Cinderela, fazia questão de dizer que o lindo castelo da borralheira existia até hoje em uma das florestas da Alemanha e nós, crianças acreditávamos piamente - afinal, não tínhamos visto no filme de Walt Disney?

O Pinóquio - com seu "narriz enorrrrrme" - era uma de suas histórias prediletas, contada e recontada muitas vezes.

E assim foram embalados os meus primeiros anos ... com histórias de fadas de vovó Hannah, cujo sotaque não impedia, mas fazia voar a minha imaginação. 

Outro dia, ao ler uma história para meu sobrinho, eu, inconscientemente, comecei: "Erra uma vez, uma cachorrinho chamado Banzé". E só me dei conta disso quando minha irmã veio rindo e perguntando ... "que isso, vó Hannah?"

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