ARRUMANDO AS GAVETAS
Mariazinha Cremasco

Nunca fui preguiçosa, mas devo confessar que ultimamente, tenho me sentido um poço de languidez, preguiça e leseira. Não queria admitir, mas não tive outro jeito. Dei milhões de desculpas a mim mesma, mas infelizmente cheguei à terrível conclusão de que sofro de um mal muito comum e que sempre abominei: a preguiça.

Tentando solucionar esse mal, tentando melhorar minhas condições físicas, embora estando em forma (forma arredondada) e a despeito de odiar tênis, pois baixinhas ficam péssimas de tênis, ainda detestando exercícios físicos, sucumbi e resolvi, pela enésima vez, fazer o mais simples dos exercícios: caminhar.

Depois de muitas tentativas, voltei a caminhar no parque. Não contei para o meu marido, para os meus filhos e muito menos para meus amigos. Tenho medo de ter uma bela recaída e parar. Então, não conto. Deixo os dias passarem, e quando eu tiver certeza de que novamente tomei gosto pela coisa, no duro mesmo, aí eu falo. Que importância tem aos meus filhos, marido e amigos o fato de eu voltar a caminhar? Provavelmente nenhuma. Mas caso eu desista pela décima vez, ninguém precisa saber. É meu truque.

Há alguns anos, eu andava cinco quilômetros diariamente. Por que parei? Simples. Eu levava os meninos para o Colégio antes da sete da manhã, e ia direto para o Museu do Ipiranga, onde tem um lindo caminho arborizado para os "atletas". Fiz isso durante alguns anos. À medida que os meninos foram saindo da escola, dando outro rumo às suas vidas, sendo mais independentes, fui parando também. Parando é maneira de dizer. Eu não fui parando. Parei de uma vez, sem dó nem piedade. Poucas vezes fui tão radical na vida... e essa foi uma delas. Parei com exercícios físicos de qualquer tipo.

Engraçado, após tantos anos de caminhada no mesmo local a que agora retorno, enxergo coisas que nunca vi antes. Eu costumava ir com uma amiga e conversávamos tanto que nem percebíamos o cansaço ou o tempo passar. Muitas vezes ficávamos ofegantes, na dúvida de quantas voltas já havíamos percorrido. Falávamos feito tagarelas, inesgotáveis assuntos.

Começa que agora o estacionamento do parque tem guardador de carro. Mais essa eu tenho que engolir. Não bastasse sair de casa, tirar o carro da garagem, ir até o parque, estacionar, ainda tenho que dar um troco para o guardador. Essa é nova. Mas hoje, no quinto dia consecutivo, sem desistir e nem me dar uma daquelas desculpas esfarrapadas - calor, frio, chuva, sol, dor nas pernas, pressa, atraso - sabe que até gostei do homem? Ele é mesmo bem simpático. 

- "Pode ficar sossegada, dona. Eu cuido direitinho".

Menos mal, pelo menos não me chamou de tia. 

Vi muitos velhinhos. Velhinhos gracinha, velhinhos sacanas. Ou pensam que nos parques só têm aqueles avozinhos lindinhos e cor-de-rosa? Não. Tem velho sacana, sim. Hoje eu vi dois. Gostei deles, sabe? Ué, como diria meu filho do meio, "cada um, cada um". Deixa o velho olhar as bundas das moças, falar coisas pras senhorinhas (não vou repetir aqui o que ouvi um dizer, e nem o gesto do outro, mas que foi engraçado, foi).

Chamou-me a atenção também uma senhorinha gorducha, de saia, blusa, tênis e bolsa. Bolsa! Pensei que ela fosse sentar num banco e comungar com a natureza, mas que nada. Foi andar mesmo. Fez alongamento - com a bolsa no braço -, fez aquecimento e dá-lhe a caminhar. Passou-me a perna, a senhorinha ligeira.

Olhei para tudo e para todos. Andei, pensei, sorri, cansei, sonhei. Não chorei. Quando saí de casa estava triste. Mas passou. Fiquei alegre e sorri. Vi as teias de aranhas nas árvores, que brilhavam com os raios de sol que as atravessavam. Lindas. Vi os diversos tons de verde das plantas. Vi borboletas amarelas. Tá bom, não eram borboletas maravilhosas, daquelas do campo. Mas eram borboletas, pôxa. Borboletas amarelas da cidade.

Vi um casal de namorados. Ela com seus quarenta e dois, quarenta e três anos. Ele com vinte e seis, vinte e sete, aos beijos. Beijar no parque deve ser muito bom. Um clima romântico.

Fiz uma força fora do comum para não conversar com ninguém. Meu marido costuma dizer que eu cumprimento até poste e que quando vou a praia, sou a única mulher que consegue bronzear os dentes e a língua. Então, me policio para não puxar assunto com ninguém. Adoro conversar e adoro velhos. Que esforço tenho feito! Mas até agora só tenho conversado com o guardador de carros.

Erra uma vez quem andou por anos como eu, sabe que faz bem, e desiste.

Erra várias vezes quem tenta, tenta e por preguiça não consegue.

Acerta quem volta, como voltei. Andar, se não fizer bem ao corpo, certamente faz bem à mente. É uma boa maneira de colocar as gavetas da cabeça em ordem.

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