REINVENTAR A DEMOCRACIA
Sérgio Galli

Errou-se uma vez. Depois, um erro sobre outro erro. Acúmulo de erros. O resultado dessa incompetência e de fingir que não está acontecendo nada de mais, é apenas uma onda passageira, foi a ascensão de Hitler e do nazismo. O raciocínio, guardadas as devidas proporções, vale para a contemporaneidade, particularmente, o que aconteceu na França. A ida do candidato da extrema direita - declaradamente racista, xenófobo, numa palavra, fascista - derrotando o candidato socialista, Lionel Jospin, é um sintoma que tem algo de muito errado e que vem já de um certo tempo. Esse alerta também vale aqui para o país da carochinha.

Há muito tempo a política tornou-se enfadonha para a maioria da população. São vários os motivos. O filósofo francês Edgar Morin já escreveu sobre a falência dos partidos políticos há muito tempo. Um artigo do articulista do Estado de S.Paulo, Gilles Lapouge, de 24 de abril, também aborda esse tema. Os partidos políticos -; não só na França, mas na maioria dos países e aqui no Brasil também - perderam o contato com a sociedade, com a realidade. São meros aparelhos burocratizados, fechados em seus interesses, numa entropia assustadora. Um outro aspecto é o do discurso econômico se sobrepor de forma avassaladora sobre o fazer político. Nos programas dos partidos, seja de esquerda, direita, centro, no palavrório dos parlamentares, presidente, primeiros-ministros, governantes, só se fala em taxa de juros, estatísticas, pesquisas, superávit primário, e tantas outras baboseiras de economês. Ninguém agüenta mais isso. Daí que não dá mais para saber a diferença entre os candidatos. Qual a diferença entre Serra, Garotinho, Lula, Ciro?. É muito sutil a diferença, se é que há, além das personalidades. A apatia dos eleitores é plenamente justificável. Daí a se optar pelo irracionalismo é um passo, de novo, vide o exemplo francês.

O princípio é democracia como valor universal. Ainda é a forma de governo menos ruim que o homem já inventou. Mas é preciso aperfeiçoa-la, mais, aprofunda-la, mais ainda, repensa-la reinventa-la. Essa forma de representatividade, através do parlamento e de presidente ou primeiro-ministro, esgotou-se. A sociedade, sempre mais ágil, foi para ao improviso, para o quebra-galho, organizou-se (ongs, sociedades, etc) e foi atrás de seus direitos, das suas reivindicações. Enquanto, isso, os partidos ficam lá encastelados em seus interesses paroquiais.

Em resumo, urge um debate de idéias, aberto, que envolva a intelligentzia (que também vive encastelada nas academias), políticos e a sociedade para um debate público sobre essas questões. Não tenho soluções e creio que ninguém as tenha. O que está diante de nossos olhos e não queremos ver é que esse debate - reinventar a democracia, encontrar uma nova forma de representação -- tem de começar logo, antes que seja tarde, antes que o irracionalismo vença mais uma vez (e nós conhecemos muito bem onde isso vai dar). Que a Política com P maiúsculo retome o seu papel não mais seja um apêndice da economia. Não dá mais para errar outra vez. A incompetência tem limite. É hora de acordar.

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