NOITE ALUCINÓGENA
Julianna Granjeia Silva

Vago pelas monótonas ruas sombrias de uma fria madrugada, refletindo sobre o passado, tentando compreender o presente, enfim fazendo uma dessas pavorosas auto-análises. Era como se nada tivesse mudado, tudo estava muito vivo em minha memória.

Um zunido ensurdecedor em minha cabeça não permitia mais meu raciocínio. Apenas andava, com braços cruzados contra meu peito, passos apressados como se quisesse fugir de alguém, ou talvez correndo para encontrá-lo. Mas as ruas estavam desertas.

Passo em frente daquela velha casa de madeira, está vazia, ele não está. Meu desespero aumenta, já não sinto minhas pernas, minha cabeça lateja. Estou fora de mim, as idéias entram e saem de minha mente como relâmpagos assustadores. 

Preciso encontrar, preciso ver. O céu está nublado, sem lua, sem estrelas, até elas, minhas companheiras de todas as noites me abandonaram. Talvez fosse proposital, talvez fosse melhor assim. Minha casa nunca esteve tão longe. De repente percebo que estou no caminho errado, ao invés de ir para esquerda, virei para a direita. Por um minuto permaneço atônita, parada na esquina sem saber para onde ir. Decido ir para casa pelas ruas certas sem passar em lugar algum, está muito longe, vou prá lá mesmo. Eu acho.

Nada, ninguém pelo caminho, tudo roda, estou zonza. Nada mais faz sentido e meus braços continuam cruzados. Sei que tenho que esquecer, sei que não posso escolher, não há saídas. Meus dois caminhos são proibidos, são perigosos e traiçoeiros. Um labirinto, estou perdida, sem saída.

Não consigo parar de chorar, as lágrimas rolam em minha face, insistentemente. Parece não ter fim, apesar de ser em vão. Será? Não sei. Não raciocino mais, apenas tento sobreviver.

Meus pensamentos já não tem lógica. Só ando. Estou me aproximando da casa dela. Meu coração dispara, medo, ansiedade. Não consigo enxergar direito, minha visão escurece, da esquina não posso ver se há alguém lá na frente.

Acho que o ritmo de meus passos diminuíram, não sei, não sinto mais nada. Chego na frente não há ninguém, a luz do quarto dela está acesa, não estão juntos, menos mal. Não passei na casa dele, eu acho, não, não passei mesmo, ele não estaria lá. Aonde estaria? As lágrimas secaram.

Chego na maldita esquina, não tem nenhum casal hoje, na minha esquina, na que fôra um dia a nossa esquina. O cemitério, que paz, que silêncio, nenhum carro, nenhuma estrelinha. Minha cabeça continua latejando, agora mais forte, sinto cansaço, nas pernas, na alma. Sinto frio, calor, minha blusa já está molhada. Minha boca arde de frio ou calor não consigo distinguir, mas certamente arde de um desejo indesejado.

Sinto o ódio e a raiva tomarem conta de mim, mas meu braços continuam cruzados, minhas mãos estão atadas, não há nada que eu possa fazer, a não ser me controlar ou tentar me controlar pelo menos. Querer não é poder, definitivamente não é mesmo.

Acho que estou chegando em casa, cabeça baixa o tempo todo, tento passar pelas ruas despercebida mas todos me encaram, não ouso erguê-la, baixa de dor, de culpa, de medo.

Estou em prantos novamente, como uma criança pedindo colo. Tolices, revolta. Inútil.

Encostado na calçada entre as folhas e coberto com elas, vejo um cachorrinho, dormindo todo encolhido. Tenho vontade de levá-lo para casa, apesar de ser um "vira-lata" como..., mas meus braços não descruzam e minhas pernas não param. Porém a imagem daquele ser que parecia tão frágil e carente como eu, permanece fixa em minha mente. Não sei por quê.

Outra esquina maldita cheia de lembranças e de ótimos momentos que ela guarda. Insisto em fingir que o tempo não passa, que nada aconteceu. Sigo em frente. Tento entrar em casa despercebida, minhas mãos tremem e a chave custa a entrar na fechadura. Como sempre sou recebida de braços fechados ao som de berros estridentes.

Tranco-me no meu quarto, como de costume. Tudo gira, tudo está escuro, transpiro frio, apoio para não cair. Subitamente percebo a razão de tudo e vem um clarão, em seguida a plena escuridão.

Por cima de tudo e de todos vejo-me ajoelhada no chão com as mãos na cabeça, encolhida. Uma cena lamentável que lembrou-me o pequeno cachorro abandonado que cruzou meu caminho.

E ali permaneci, não sei dizer por quanto tempo... 

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