JUMENTO
Eraldo da Silva

Sair da cidade industrial de São Bernardo do Campo e ir passar uma semana no sertão nordestino é uma experiência que nos pode ensinar muita coisa. 

A primeira coisa que imaginamos ao entrar em uma sítio, é melhorar tudo por lá e levar as vantagens da vida moderna: Água encanada, eletricidade, esgoto, etc... Menos uma coisa queremos melhorar: 

O fogão à lenha, isto é a principal atração do local, o tempero de uma comida feito neste rude artefato fica muito mais saborosa, talvez pela fumaça que dá aquele aroma especial.

A oportunidade de ajudar um camponês em alguma tarefa é gratificante para nós urbanos quanto estamos no campo. Quando meu sogro me convidou para ir buscar lenha na mata, fiquei todo contente, era uma forma de agradar e também exercitar meus músculos que já estavam perdendo a potência pelos dias de folga. Perguntei a ele onde ficava e tive como resposta :

-É logo "aliacolá" meu filho.

Aliacolá?

Achei estranha esta palavra, mas hoje lembrando acho que a morfologia é perfeita. É uma união do "Ali" de Minas Gerais, que significa, muito longe, com o "acolá", além de, ou seja, muito além do que você pode ver. Foi o que comprovei naquela longa caminhada.

Fui acompanhando meu sogro e mais dois caboclos que foram contratados para ajudar, mas não poderia faltar a presença do melhor amigo do sertanejo: O jumento.

Dizem que este animal é fiel a seu dono, muito resistente à seca e carrega muito peso também. O jeito dele andar é muito deselegante, parece meio cansado e sem vontade de sair do lugar. As pernas parecem que não agüentam o próprio peso. Mas em cima dele que foram carregados os machados e as cordas.

Chegando no famoso aliacolá, que repito é muito longe, fui o primeiro a pegar no machado e perguntando quais árvores podiam ser derrubadas, se bem que estavam todas secas mesmo, qualquer uma servia. Com a pose característica dos lenhadores que via nos filmes, comecei minhas investidas nas pobres vítimas. O negócio batia no tronco da árvore e fazia uma vibração que se estendia até os meus pés, reclamei que o machado não estava afiado, afinal nem entrava na madeira.

Meu sogro um senhor de setenta e sete anos examinou bem a ferramenta, passou o dedo no corte e disse que ia experimentar cortar. O machado entrava na madeira como se a mesma fosse uma manteiga de tão mole. Acho que eram meus músculos que não estavam afiados.

Fiquei só olhando aquele trabalho que parecia ser muito fácil, aproveitei para ir fazendo os feixes para carregar no jumentinho.

Logo o serviço terminou, e a carga tinha que ser carregada em duas viagens. Voltei com meu sogro enquanto os caboclos ficavam esperando. Dava dó ver o esforço do animal mas ele foi firme em seu trabalho.

Após descarregarmos, me prontifiquei a buscar o restante das lenhas e sai puxando o animal. Meu sogro disse que podia montar nele. Idéia logo aceita pela curiosidade de montar o bicho, ele me passou as técnicas de como conduzi-lo e segui em frente, todo alegre me sentindo superior por ser homem. Perdendo de vista a casa, comecei a me sentir mal. Meus pés arrastavam no chão, o balanço incômodo, olhei para o bicho e fiquei com dó. Eu era maior que ele, e tenho duas pernas e sou capaz de correr mais que ele, então por que usá-lo?

Não deu outra, o bicho empacou. Dizem que ele sente quando temos dó e se aproveita da situação. Desmontei e dei uns tapinhas no pescoço dele.

- Esta certo garoto! vamos andar juntos. Falei com ele.

Puxei a corda e nada, não saia do lugar. Apelei para umas chicotadas de leve e nada. Não ia ficar discutindo relações trabalhista e direitos humanos naquela hora. Aproveitei uma cerca perto e amarrei-o lá para não fugir e fui chamar meu sogro.

Meu sogro deu uns berros, umas chicotadas e o animal saiu correndo fazer sua obrigação.

Confesso que fiquei afeiçoado a ele, na verdade ele não obedece por concordar com sua condição de animal.É falta de opção mesmo.

Fiquei pensando, se um dia um homem olhar para mim e me achar um jumento e quiser me colocar para carregar peso ou montar em cima de mim. Não aceitaria de jeito nenhum, se fosse preciso usar a força e combatê-lo, não teria dúvidas. Lutaria até a morte se fosse o caso, mesmo que o adversário fosse mais forte, mas se sujeitar a isto de forma alguma.

Mas tudo tem uma exceção...

Se este homem tiver uma força superior e puder ditar MPs (medidas provisórias)...

Com o congresso que temos...O jeito é carregar o peso mesmo e deixar montar em nossas costas.

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