SEM RESPOSTA
Maurício Cintrão

Feito lobo, olhando o céu gelado desta noite sem nuvens, vejo a Lua imaculada e generosa, exibida e lasciva, esperando meus beijos. Porque a pretensão é essa. A Lua está no céu pelos meus beijos. Claro que não está lá só por isso. Está no céu pelos meus beijos e pelos beijos de todos aqueles que têm mania de fazer biquinho para a noite quando a Lua se mostra. 

Tenho certeza que não sou o único. Afinal, essa é a maneira de beijar de longe quem se ama, beijar quem faz falta ou mesmo quem nem se conhece mas poderia ter conhecido, amado e lamentado pela falta. Quantas pessoas já não amaram contando com a assistência da Lua na hora de fazer a cesta? Quantas Luas não se passaram entre amores perdidos e novos amores conquistados? Quantas noites solitárias não foram iluminadas pela Lua beijoqueira que sugere novos mundos, que insinua novas esperanças?

Beijar em direção à Lua também é uma forma de enviar beijos para quem não os tem e está, naquele momento, olhando a Lua como eu. Nem é preciso ter resposta. Manda-se beijos lunares a quem estiver disposto a recebê-los. Já me pus de olhos fechados e nariz voltado para a noite esperando receber os beijos que algum desconhecido enviou ao meu desconhecido rosto. Nunca pensei na resposta. Faces e lábios recebem o carinho dos beijos prateados que chegam do céu porque ainda há quem acredite na fantasia de amar sem que para isso seja preciso responder.

Devo revelar que já experimentei situações ridículas por conta desse hábito. Outro dia, por exemplo, a Lua nascia, enorme e poderosa. Não resisti à imagem linda. Sem pensar muito no que fazia, mandei um beijo estalado à meia altura, pouco acima das casas. Só depois percebi que ali, na mesma direção do beijo de Lua, estava um grupo de três ou quatro rapazes. Por coincidência ou ironia do destino, olhavam para mim exatamente naquele momento. 

Não tenho a mínima idéia do que pensaram. Também não dei muito tempo para esperar a reação. Entrei no carro e fugi educadamente. Suponho que tenham recebido o beijo como se fosse para eles. Preferi evitar a confirmação da suspeita, sendo xingado ou correspondido.

Veja bem, não há qualquer problema em mandar beijos para rapazes. É estranho, reconheço. Apesar das modernidades, gera um certo desconforto receber tal carinho de um sujeito grandão e bigodudo como eu. Especialmente se os beijados virtuais forem três ou quatro rapazes carrancudos em uma rua escura, mal afamada por conta de brigas, consumo de drogas e batidas da polícia.

Afora esses acidentes de percurso (meus e dos meus beijos), continuo a beijar foguete mirando a Lua. Exuberante e mágica, a Lua sabe do que se trata. E o rosto ou os lábios que meus beijos receberem também vão entender. Porque eu envio beijos para quem conheço e para quem não conheço na esperança de que simples beijos melhorem a noite de quem recebeu e os sonhos que porventura ainda não tive. Beijo com o despojamento de quem se entrega sem esperar por uma resposta.

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