MEU JANTAR COM IGARASSU
Rosi Luna

Vão pra cidade de Mozart. Ela dá voltas para driblar o homem que movimenta a marionete, termina ele com aquele olhar de encantamento pra todas as brincadeiras dela, o restaurante está bem perto. Adiante: um flautista encosta logo que ele balança a chave. Ele está a pé e começa uma conversa tranqüila - você abre a porta do restaurante para sua princesa, quem ali faz uma pequena apresentação é o flautista, muito gentil. Tão gentil que, que quando você sobe a escadinha, dá aquela olhada curiosa para sua capa roxa.

Ela escolhe uma mesa, consultando seu olhar de aprovação em direção à varanda. Pede um vinho idem. Ficam sorrindo pro outro, com toda graça, até que você resolve passar o comando da conversa, e nas veredas da história de quando morava no exterior, veio fazer aquela especialização, e tal. Vez em quando ele, com o dedo em riste, chama o garçom para pedir mais um tinto. De repente levanta e diz: "Vou comprar aquela tela a óleo".

Você já está com uma leve fome, mas ele gentilmente lhe oferece o cardápio e confirma o pedido antes da sexta taça.Finalmente o prato foi escolhido. Nada de caças exóticas que ele sabe que você não gostaria. Ele frisando: "ao ponto". Você passa um tempão para conquistá-lo, enfim ele concorda que o momento merece um champanhe demi-sec. Mas recomenda ao garçom: "Traga no balde de gelo de prata". Fica romântico: segura seu blusão, diz que você combina tanto com ele, desengonçada e tão bonita como Meg Ryan, e por baixo de sua realeza, a surpresa, e você sente um trio de violinos roçar seu ouvido.

O Igarassu segura o talher seguindo todo cerimonial e, já tranqüilo, fala com voz suave. Descreve todos os nuances da partida: os devaneios, a devolução do colar, o seu olhar nas pedras vermelhas da jóia antiga, você precisa fazer "ei princesa". Pelo meio do jantar ele dá um beijinho na sua mão, um cisco no olho com ar incerto, e diz: "Vou tirar algumas lágrimas desta prosa". Não atende o celular. Faz restrições, dá um comando de forma gentil a um serviçal, não fala em dinheiro.Disfarça mal um encosto. E você bem que tenta se enlaçar num abração.Para amenizar, você pensa em tocar umas notas. Conta daquelas partituras e que você sabe tocar algumas músicas eruditas, em dó maior e mi menor. Um das músicas traz à mente um Concerto para Piano no. 22 em Mi-sustenido, melodia de Mozart. 

O outro se surpreende: mas minha cara, você é mesmo um encanto. Qual é seu enigma? Como pode uma mulher paradigma de uma sinopse de contorno ideal. O pequeno, é claro. Pois então, argumenta com toda postura, o maior beijo do mundo ainda será pequeno para demonstrar todo meu carinho por você e vai ser do meu jeito.

Mas o Igarassu ri, não pede explicações, pergunta se ela se sujeita a um beijo grande. Você decide.A sobremesa, você sugere flambados com calda de chocolate amargo e cerejas, e ele sorri com os dentes de marfim: "Mulher que é mulher, come flambado com a colher! Rimou!" Quer voltar a tomar a champanhe. A essa altura você está francamente apaixonada. Mão na testa, pede-lhe que peça a conta.

Junto do vaso, acontece o inesperado roubo da flor, perto da janelinha. Você meio-encosta na pilastra (só lhe resta olhar) e fica fitando com os olhos maquiados de sombra cobre. O quadro da mulher nua aparece por trás de um homem que parece almirante, todo vestido de azul e com umas patentes antigas. Há um clima no ar, que lhe traz o som de uma flauta... o homem da capa roxa. Será mesmo uma flauta? Você começa a lembrar Canção Flautim, um poema Carlos Drummond de Andrade. Se gostasses de mim... E gostaste. Gostavas? de mim. Era tão sem aviso, era tão sem propósito... mas a voz modulada de seu Igarassu lhe faz misturar fantasia e realidade.

Afinal, graças às tantas contas no colar, chegam. Ele se encantou aos poucos, e começa a encenar o convite. Propõe irem para um lugar mais tranqüilo. Lá em cima no hotel do Castelo. Você reage com uma resposta sem desculpas: deve ser lindo acordar cedo lá, de férias e sem nenhuma reunião. E ninguém esperando. Só dormir e contar estrelas. Ele pede para parar os astros, marte, vênus, por júpiter sou um homem conformado. Alisa sua pele. Vai chegando.

Segura seu cabelo e aproxima a boca na sua, um gosto de champanhe adocicada com a sobremesa, dá um cheiro pra agradar qualquer paladar mais exigente. Então você desprende a última folhagem: (uma folhagem de um pé de rosas com sede deste encontro) "Hoje sim. Estou com uma bela duma atração atravessada na garganta. E já tá na hora do meu corpo sentir tua simbiose e subir a pressão com o sal de Salzburg."

*** Igarassu é filho primogênito de uma família de usineiros abastados, 
rapaz de fino trato descobriu o enigma do amor, após devolver um colar
de coração envelhecido, pertencente a uma mulher que o acompanhava
em pensamentos e que agora mora no seu coração.

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