A CURA
Fábio Luiz

A coisa estava realmente feia. Talvez não tivesse mesmo jeito. Mas, o que fazer? Ficar de braços cruzados e correr pra sala e assistir ao meu programa preferido de televisão não adiantaria nada. Além do mais, os dedos de Liliane cravados no meu braço começavam a perfurar mais do que a pele. Eu precisava fazer alguma coisa. A primeira, talvez, quebrar os dedos dela? 

- Você tem que salvá-la!!! Ela é minha amiga! Faz alguma coisa agora! - gritava nos meus ouvidos como se eu fosse surdo. O que talvez acontecesse mesmo se ela não parasse de gritar.

- Vou fazer o que for possível! - argumentei sem confiar muito. Apenas para ela se acalmar. E parar de gritar.

- Acho que partiu o pescoço mesmo. - falei baixinho - mas EU VOU DAR UM JEITO, OK? E, POR FAVOR, LARGUE O MEU BRAÇO PARA EU PODER FAZER ALGUMA COISA!!

Tudo tem limite. A dor também. Concentrei-me no pescoço da pobre coitada que graças a Deus não podia ouvir nada do que eu falava. E nada também do que sua "amiga" gritava e chorava. 

- Ela não pode morrer. Não pode não! Ela é minha amiga do peito. Conto tudo pra ela antes de dormir. Ela tá sempre do meu lado. Sempre. Ela não vai morrer. Não vai. A culpa é toda sua! - lamuriava, vibrando sua mão na direção do que, pelo que eu notava, seria o agressor.

O agressor olhava pra cima com ar de insatisfeito e sem entender o porquê de tanto alvoroço. Olhava pra mim pedindo clemência e, principalmente, que eu desse um jeito na vítima.

- Se ela morrer eu te mato! - Já ameaçava com olhar firme. Eu realmente não tinha muito tempo. Afinal, com um pouco de cola e um pedaço de arame consegui imobilizar o pescoço.

- Pronto. Acho que ficou bom. Agora é só esperar um... - Não completei a frase. Ela pegou a boneca e saiu correndo atrás do seu irmão que já lhe lascara um beliscão. A boneca girava em sua mão como um porrete. 

Talvez não sobrevivesse mais um natal. Nunca se sabe. Com sorte, seria uma relíquia de infância. Guardada no guarda-roupa. Fiel. Sempre sorrindo, abrindo e fechando os olhos. Se não houvesse entupimento ainda lembraria de dizer "mamãe" a sua amiga de anos.

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