ADOLFO E AS PUTAS
Nato Borges

Adolfo, Adolfo. Grande figura era o Adolfo. Funcionário público dos bons, daqueles que enchem de orgulho a chefia. Pacato, eficiente, competente. Na vida como no trabalho levava as coisas assim, na retidão. Casado com Marianinha há quase vinte anos, tinha na mulher o ideal de perfeição.

Marianinha, de seu lado, não tinha nada de mais. Nem de menos. Mesmo sem ser vistosa, era bonita. Não era mais por falta de vaidade. Levava suas carnes nos lugares certos, mas sem exageros. Em casa, amorosa e cheia de atenções com seu Adolfo. Não tinham filhos, e ao marido dedicava todo o amor que tinha guardado para o que imaginou seria sua família. Depois de tanto tempo, sabia não ser o que tinha imaginado, mas era sua família.

Adolfo considerava-se feliz. Tudo caminhava com uma estabilidade eficiente: suas contas, sua carreira, seu casamento. Bom. Pelo menos o casamento caminhou assim um bom pedaço. De uns tempos, não muitos, Adolfo percebeu que algumas coisas - na verdade só uma, mudava: Marianinha hesitava em determinadas horas, naquelas horas, e evitava Adolfo.

Entender ele não entendia, mas aceitava. Achava que seu casamento era maior que aquilo e que não valia a pena se agastar com Marianinha por causa de besteira. De vez em quando até insistia.

- Marianinha, vamos?

- Ai Dolfinho, hoje não. Estou tão cansada meu doce, tenha paciência.

- Mas...

- Por favor...

O biquinho quase de choro o convencia a qualquer coisa, e o convenceu por algum tempo. Mas aquilo era forte. Não era maior que seu casamento, mas era mais forte que ele. Um dia não se agüentou, e pensou consigo: "vou às putas". Foi uma vez, foi duas, foi várias. Acostumou-se, chegando quase a viciar-se naquilo. Vez ou outra por semana passava na zona, e começava um ritual que começava a virar lenda.

- Oi, o que você faz?

- O que você quiser meu bem...

- Tudo?

- Tudinho.

- Você beija?

- Beijar, não beijo.

E continuava sua procura. Era ter paciência, e encontrava uma que beijasse. Do resto não fazia tanta questão. Queria o básico, e beijos. Beijo era fundamental para Adolfo. Não admitia sem beijo. Fazia com beijo e deixava Marianinha em paz. Alguns amigos, só os mais próximos, sabiam de seu hábito. Um dia um sugeriu que arrumasse uma amante.

- Amante não. Marianinha é minha mulher, não me divido. Não quero outra.

E seguia assim. Não que não tentasse com a mulher, só não insistia. A cada recusa, sorria compreensivo... e ia às putas.

Um dia chegou à repartição e estava tudo fechado. Ameaça de incêndio no prédio, evacuação, bombeiros para todo lado. Não haveria expediente. Voltar para casa Adolfo não queria. Não se imaginava o dia todo incomodando os afazeres de Marianinha, que não eram poucos. Passou a manhã no bilhar com os colegas.

Cansados dos tacos e das cervejas, um a um foi voltando para casa. Até que Adolfo se viu sozinho. Pensou tranqüilo: "vou às putas", e tocou para a zona. Nunca tinha ido naquele horário, e achou que podia ser diferente. Quando reconheceu o velho cliente, dona Cleide abriu um sorriso.

- Mas veio cedo hoje seu Adolfo.

- Vim.

- Fique à vontade meu filho, fique à vontade.

Admirava o jeito materno dela. Retribuiu o sorriso e foi para a sala das meninas. Escolheu uma nova, que de costas lhe pareceu bonita. Ia começar o ritual.

- Marianinha?!

Não pôde conter o espanto, quando a mulher se virou. Estava pintada, como não via há muito tempo, e seus olhos, naquele instante, misturavam pavor com uma beleza que ele conhecia de longa data. O susto durou alguns segundos, tempo suficiente para que tudo o que havia feito nos últimos tempos lhe passasse pela cabeça. Como que redescobrindo sua própria vida, Adolfo abriu-se em um enorme sorriso.

- Você beija?

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