QUESTÃO DE HÁBITO
Paulo Panzoldo

Dizem alguns que o hábito é inimigo do desenvolvimento e que se não surgirem novos produtos no mercado o mundo não anda. Andará o mundo? Ou terei parado eu? O interessante é que os mesmos que te cacarejam isso pelo rádio e TV, quando lançam novos produtos, oferecem brindes, prêmios, promoções para criar fidelidade à nova marca. É incrível, é contraditório, mas a gente cai.

Ou quase...

Confiscaram o canivetinho do Veríssimo, foi numa viagem aérea lá pros lados da Austrália. Também, réu confesso, num lugar ermo, do outro lado do mundo, tinham mais é que tomar a 'arma' mesmo. O escritor e cronista apresentou-se como sendo membro da "Al Dente", uma organização guerrilheira que combate o macarrão mole e pode-se dizer que a perda do canivetinho de estimação saiu barato.

Outro dia achei uma foto, dessas bem antigas, amareladas. Pareceu-me uma venda e se você tem menos de trinta anos, provavelmente não sabe o que é uma venda. Atrás do balcão, um senhor de meia-idade, todo empoleirado para a foto - "olha o passarinho!". Sobre o balcão, uma então 'moderníssima' Filizzola. Sentado à porta, lá estava eu, meio acabrunhado, mas sorridente. Eu??? Que nada, menino, esse aí não é você não! - corrige-me a mamma.

Minha mãe nasceu no Brás e no Brás existia um Armazém e o Armazém era conhecido como Armazém Panzoldo. Atrás do balcão, o nonno Luis Panzoldo, o empoleirado e orgulhoso proprietário do estabelecimento. À sua frente, sentado à porta, estava o Romeu, meu avô. Parecido comigo, esse meu avô - pensei. E lá vendia 'tutti', de pasta (feita em casa) a ovos, farinha, arroz, feijão, azeite, tomate. Não será necessário dizer que minha família descende de imigrantes italianos. Vieram de Vicenza e Cremona. Por décadas mantiveram o hábito da macarronada al sugo em família, aos domingos, com vinho tinto e salada de alface no final. A salada era servida sempre - e sempre - no final e ai de quem tentasse furtar uma folha antes da hora. Até hoje como a salada depois do macarrão e todo mundo me olha como se eu fosse louco.

Depois da morte precoce do Romeu, Dona Júlia, minha avó bem tentou manter a família reunida aos domingos, aquele vidrão de pimenta ali naquela mesona enorme, mas não deu não. A cada semana, mais e mais cadeiras vazias. Herdei a mesa - enorme - e tento manter a tradição da macarronada em meio a sete descendentes diretos de portugueses. É uma luta inglória, confesso.

Um domingo desses fui ao supermercado. Gosto de fazer compras aos domingos. No corredor das massas, molhos e condimentos instalaram um pequeno balcão. Atrás dele uma loirinha, rabinho de cavalo, toda bonitinha, com direito a avental (eu não tenho avental!), uma panela num foguinho brando e pratinhos e talheres de plástico. Oferece uma nova marca de massa. Não obrigado, há anos compro sempre a mesma marca. Ela insiste e me garante que se eu comprar cinco embalagens serei o sorteado do mês e ganharei um lindo avental com a logomarca da 'nuova pasta'. Confesso que balanço, e que penso no avental que não tenho e que sou tentado, mas resisto. Não, não e não! Não trocarei "o meu macarrão" por um aventalzinho qualquer. Nada nesse mundo me fará mudar de idéia. Mas acabo experimentando a gororoba e - Deus existe - grito: 

"Chama o Veríssimo, que aqui tem 'pasta mole'!!!"

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